sábado, dezembro 29, 2007

"utilitário" atomizado

Enquanto me deixo embalar (pela enésima vez, esta semana...para não variar) pela belíssima banda sonora de A Eternidade e Um Dia (magnifico Theo Angelopoulos!) composta por Eleni Karaindrou decido-me, finalmente, a passar os olhos pelos jornais nacionais -matutinos, semanários, imprensa regional- das duas últimas semanas incluindo os de hoje (DN e Público) amontoados num canto da sala, bem à vista, e a cuja leitura ou sequer simples folhear de desinteressado fui resistindo até hoje. Por onde começar? Quando se esteve uma quinzena a ler só imprensa internacional), é um falso dilema que nem se põe : bastaram duas semanas a ouvir as conversas nos transportes públicos, nos cafés e restaurantes e, até, nas livrarias para dizer a mim mesmo que não faz sentido sacrificar um segundo, quanto mais um minuto, do meu precioso tempo para voltar a vestir a pele de "utilitário" atomizado.
A impotência e a frustração dão cada vez mais cartas através das manchetes estapafúrdias, desprovidas de qualquer sentido, mesmo o sentido de absurdo. Nem valem a pena qualquer tentativa de análise sociológica. Só da psicanálise.

sábado, dezembro 01, 2007

lembrança de jean seberg


A primeira vez que vi Jean Seberg no ecrã -tinha eu 14 anos- foi no filme de Robert Rossen, Lilith (em português, seguido de E o seu Destino) , numa matinée, para "maiores de 17 anos", no desaparecido Alvalade. Dediquei o resto desse dia a opinar com um amigo num café da avenida de roma sobre o corpo sedutor , o olhar transparente e inquietante e a deslumbrante prestação artística (calma, rebelde) da minha novel paixão cinéfila de então. Pela lição de irreverência e desmistificação - do universo psiquiátrico- Lilith, foi (é) um dos poucos filmes que carrego ainda "nos ombros" num estado de deslumbramento, de espanto, de amor. Jean Seberg foi (é) capaz (ah!, À Bout de Souffle) de ainda me manter aprisionado à sua claridade insuportável. A meus olhos. Nostálgicos para todo o sempre.

quinta-feira, novembro 29, 2007

má sorte de Aristides


Na segunda-feira, visita a Cabanas de Viriato na companhia do encenador, actores e produção de A Desobediência, -que desde 16 de Outubro esteve em cena no Trindade- , para prestar tributo à memória do cônsul, o corajoso, Aristides de Sousa Mendes.
Em qualquer país civilizado e digno dos seus heróis virtuosos, a casa onde viveu Aristides e a sua numerosa familia já há muito estaria reconstruída e transformada em "monumento" nacional. Em Portugal, um país que cada vez mais se assemelha a um hospital psiquiátrico com graves problemas de... gestão, o "progresso" dos portugueses continua a ser "medido" pelo desprezo à cultura e ao património e a intolerância, demencial, à inteligência e à dignidade.

terça-feira, outubro 09, 2007

ícone

Assassinado há 4o anos, na Bolívia, o guerrilheiro mítico Ernesto 'Che' Guevara é, desde a minha adolescência, um exemplo singular e raro de revolucionário descomprometido que teve a enorme coragem de procurar fora do Poder (e das benesses) uma via pessoal de afirmação da luta pela liberdade e o idealismo-utópico socialista.
Foto: Alberto Korda

quarta-feira, setembro 26, 2007

reflexos do tempo(3)

1. Por estes dias, em que o prazer da leitura (no caso, J.P.Sartre, Politica e Autobiografia, ed. António Ramos, 1977, tradução de Pedro Tamen) se tem sobreposto ao prazer da escrita no blog, o meu pensamento tem-se "perdido de amores" no terreno político e, claro está, designadamente sobre as novidades (já com efeitos assinaláveis) contidas nos novos Código Penal e Código do Processo Penal. Sem esperar pelo que ainda falta vir -como, por exemplo, as leis de Segurança Interna e de Organização da Investigação Criminal, que o Governo anunciará por certo antes do final do ano- tenho-me é deliciado ainda mais a tentar "acertar" em quais terão sido as motivações mais intímas (dos espíritos humanos que exercem o poder) para tanto empenhamento em assegurar o mínimo dos danos colaterais para manter a essência do sistema nos tempos ainda mais sombrios, que virão. A ideologia global (política, moral, etc.) que vem contaminando os governos de quase Mundo inteiro (a pretexto, sublinhe-se do 11 de Setembro de 2001), impondo a sua visão das "novas relações reais", subvertendo princípios e recuperando antigas obsessões (concepção de um estado policial e hipervigiado) reflecte quanto "desesperada" (ia a escrever "acossado") é a sua percepção do mundo: constatação de desagregação.

2. A histeria, patética, anti-Irão sobe, de novo, de tom a pretexto da visita (por certo "provocatória", dixit o Pentágono) às Nações Unidas do Presidente Mahmoud Ahmadinejad. Para além do habitual recrudescimento da contra-informação, o episódio vem mesmo a calhar para desviar as atenções dos "flops" em todas as frentes da descredibilizada Administração Bush. Mais um nó de cinismo. Mais um clamor de teatralidade!
3. Sem contemplações, a "lógica" do mercado ditou a sentença capital à unica revista de cinema editada em Portugal. Após oito anos de publicação, a Première é forçada a sair de cena, apesar de sempre haver mantido um nível baixo de custos de produção. Parabéns, Zé Vieira Mendes (e um grande abraço!), por teres andado este tempo todo a correr o risco de manter vivo o espirito crítico... .
4. Foi de um grande refinamento. Mestre exímio da comunicação corporal / gesto e na articulação da expressão. No trabalho do silêncio. Marcel Marceau, evidentemente. Um dos meus ídolos (como Chaplin, Buster Keaton, Laurel & Hardy, Fernandel ) supremos desde a infância.

quarta-feira, setembro 19, 2007

"welcome to fascism!"


Restrições das liberdades cívicas, detenção de militantes dos direitos humanos, proibição de uso público de t-shirts com slogans estampados anti-bush, repressão de manifestações contra a guerra do Iraque, actos de intimidação de imprensa online, crescente militarização das forças policiais, são alguns dos sinais dos tempos (agravados pós-11 de Setembro) em curso na América.

O incidente invulgar , mas não fora de série de outros com carácter policial repressivo de estudantes, ocorrido anteontem ("Dia da Constituição") na Universidade da Florida, em Gainesville, durante uma palestra do ex-candidato presidencial democrata, John Kerry e um aluno, Andrew Meyer, parece vir comprovar as teorias que apontam para uma situação gradual de fascização dos Estados Unidos. Como escrevia um leitor norte-americano, "Sieg Heil!".
(Foto: Thomas Good / Next Left Notes:Estudantes nova-iorquinos em acção de protesto contra a ocupação do Iraque)

sexta-feira, setembro 14, 2007

chile 1973:o "outro" 11 de setembro

Oito meses antes do 25 de Abril de 1974, os Estados Unidos punham ponto final parágrafo á experiência democrática chilena iniciada em 1970, em plena "guerra fria", com a eleição do médico e socialista, Salvador Allende. Para a administração norte-americana, as"ousadias" (nacionalizações, reforma agrária, políticas sociais, aproximação do "bloco" soviético e de Cuba,etc.) do governo de unidade popular e o receio do "efeito de simpatia" poder contaminar a região -na maioria dos países, governada por juntas militares fascistas- desestabilizando a ainda mais, era por demais intolerável. Em menos de seis meses, o Pentágono, a Cia, as transnacionais, põem em marcha acções de desestabilização política, social e económica para descredibilizar o governo e forçá-lo a abdicar ou, como veio a ocorrer, derrubá-lo através de um "putsch" militar, cirúrgico e brutal.
Graças à visão "pragmática"(!) de Henry Kissinger, aos milhões de dólares gastos nas operações terroristas (atentados, assassinatos de oficiais militares legalistas, sabotagens de vias de comunicação, destruição de infra-estruturas, etc.) o Chile regressava a 11 de Setembro de 1973 ao concerto das nações "livres" com um novo rosto na presidência: o general Augusto Pinochet, nomeado por Allende, em 1972, no cargo de Chefe das Forças Armadas e que jurara lealdade à República e ao governo. Faz 34 anos que Allende morreu "suicidado" nos escombros do Palácio de La Moneda. Faz 34 anos que nas ruas de Santiago a soldadesca acendia fogueiras com livros(de Marx a Jack London), revistas, jornais apreendidos em rusgas casa a casa. Objectivo de Pinochet: "exterminar o cancro marxista"!.
Tal como na Alemanha nazi. Tal como na Grécia dos coronéis.

a impossibilidade do compromisso

Por estes dias, sinto cada vez menos paciência em lidar com o "ruído", vão e alienante, à volta do caso Maddie, das rivalidades infantis e dos jogos de poder internos no PSD, das manchetes grotescas da maioria da imprensa escrita. Não apenas porque não tenho qualquer necessidade de fazer o gosto ao sistema que é o de nos forçar a alimentar o grande circo em cena no reino (contaminado pela hipocrisia), mas também porque tenho mais que fazer do que me prestar a "utilitário" no funcionamento (cada vez mais disfuncional e caduco,
ou vice-versa) do aparelho ideológico do poder. Por estes dias, o curioso foi "sentir-me" a reatar com prazer a leitura de romance, a rever antigos "amores" cinéfilos -como, o muito belo, Voskhozhdenie A Ascensão, de Larissa Chepitko ou o contido e muito sensível, Una Giornata Particolare, de Ettore Scola- , (re)ouvir Jan Garbarek (em Lisboa, no mês de Novembro) e pôr a escrita em dia.
No filme de Larissa, reforcei a minha admiração pelo personagem Stonikov: aquele que não trai, nem os outros nem a si mesmo, e ousa mostrar uma "heroicidade sem limite" não apenas para mostrar a sua integridade impoluta mas sobretudo afirmar a grandeza dos valores e ideários em que acredita convictamente e que não pode abdicar porque não existe qualquer possibilidade de compromisso.
Foto: cena de rodagem de Voskhozdenie, de Larissa Cheptiko (URSS, 1976)

terça-feira, setembro 04, 2007

prazer do romance

Durante as férias, "penitenciei-me"do desinteresse a que tenho votado -desde o inicio de Março...- a literatura de ficção. Esse retorno ao (prazer do) romance literário foi, por um acaso feliz (ao remexer nos livros de minha mãe), iniciado com a leitura de Terra de Neve ( Yukiguni), uma obra-prima da escrita de Yasunari Kawabata(1899-1972), que é só um dos maiores (e mais esquecidos entre nós...apesar de obra editado) escritores nipónicos do século XX, prémio nobel em 68.
Sensível, poética, fluída a escrita poderosa de Kawabata tem o enorme poder de despertar o prazer da leitura
Terra de Neve, de Yasunari Kawabata
Edição das Publicações Dom Quixote, Dezembro 1968
Tradução de Armando Silva de Carvalho. Capa de Lima de Freitas

segunda-feira, agosto 27, 2007

o homem que amava a escrita

A minha admiração por Eduardo Prado Coelho foi como o betão armado: resistiu às desilusões (pequenas ou grandes e quase sempre de ordem política e ideológica) "emocionais" que fui experimentando com menor ou maior capacidade de encaixe. Lembro-me de ter alimentado quase à exaustão um debate ressentido sobre o seu abandono do PCP e a aproximação ao MES e, -com o tempo cada vez mais a desfavor da revolução- , ao PS. Pelo contrário, a minha admiração pelo Eduardo Prado Coelho foi-se cimentando com o correr dos anos. Conhecemo-nos e falámo-nos duas vezes e por breves minutos: a primeira, num corredor do edificio do Palácio Foz onde funcionava a Direcção-Geral de Acção Cultural de que o Eduardo era director, a segunda no S.Luiz (numa das sessões organizadas pela dupla João Lopes/Camacho Costa) e trocámos breves palavras sobre as expectativas do "novo" cinema português em preparação ano e meio depois do 25 de Abril (Os Demónios de Alcacer Quibir, do Fonseca e Costa, o Nós por cá, todos bem, do Fernando Lopes, Ruinas no Interior, do Sá Caetano, Trás-os-Montes, do Reis...).Recordo a sua afabilidade, o sorriso e a postura analítica do olhar. Vimo-nos, meses depois (já em 1976), na primeira sessão de La Spirale, de Armand Matellard, no auditório da Biblioteca Nacional. Depois, com a sua saída da Secretaria de Estado da Cultura revia o Eduardo nalgumas antestreias, nas extensões a Lisboa do Festival de Cannes, no Quarteto, ou nos ciclos da Gulbenkian ou ainda nos ciclos do Palácio Foz a que fui dando colaboração enquanto "prestador" de serviço, a partir de 1978, da Divisão de Cinema da DGAC/SEC. Desde sempre, nunca me escaparam os"textos literários" do Eduardo Prado Coelho (minto, houve um interregno, breve, por causa da sua aproximação e apoio a Eanes, em 1980...), os seus livros , as suas críticas de cinema (recortadas dos jornais e religiosamente coleccionadas), que conservo, "contaminados" por muitos sublinhados e anotações.
A imagem que conservo do Eduardo é também a imagem de um homem para quem a escrita era vivida como uma paixão, intensa e grandiosa.

sexta-feira, agosto 24, 2007

sacco e vanzetti: paz e liberdade

Fez ontem 80 anos que Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram assassinados pelo poder judicial norte-americano.
Apesar da reabilitação, em 1977, os Estados Unidos nunca promoveram oficialmente uma verdadeira condenação do vergonhoso processo político que esteve na origem da condenação á morte dos dois trabalhadores imigrantes italianos, assumidamente anarquistas, que clamaram até ao fim a sua inocência mas também a firmeza dos seus ideais e de amor à vida.
À época, muitos foram os escritores e artistas de renome , como John Dos Passos, Alice Hamilton, Paul Kellog, Jane Addams, Upton Sinclair, Dorothy Parker, Ben Shahn, Edna St. Vincent Millay, John Howard Lawson, Floyd Dell, George Bernard Shaw e H.G.Wells, que assinaram petições contra a execução de Sacco e Vanzetti.
Alguma da imprensa escrita de referência, sobretudo a italiana, destacou a efeméride nas suas edições de ontem e hoje. Atente-se, igualmente, nos artigos oportunos em "Corriere della Sera" e "Democracy Now", da jornalista resistente norte-americana, Amy Goodman.
Por último, uma referência ao filme (importante) de Guiliano Montaldo (estreado em Portugal no pós-25 de Abril, no cinema Roxy, pela mão da Castello Lopes) que continua proscrito na edição dvd (como já anteriormente em vhs...) portuguesa. Os interessados podem recorrer aos bons ofícios do Instituto di Cultura Italiano para aceder ao filme - gratuitamente, creio.







quinta-feira, agosto 23, 2007

lugar das imagens

À espera da anunciada recuperação -cujo projecto, segundo A.Victorino de Almeida, terá sido aprovado recentemente pela Câmara Municipal- , o edifício do Cine-Teatro "Valadares" A. Pires, de Caminha, (uma das muitas localidades a norte do Porto sem salas de cinema em funcionamento) aí está, votado ao abandono, desde meados de 80, e em avançado estado de degradação. Seria (no mínimo) uma incongruência deixar tudo como dantes, apesar das aparentes boas intenções... .



terça-feira, agosto 21, 2007

transfigurações

Na zona histórica de Caminha (que tarda em se recuperar...), frente ao edifício degradado do Cine-Teatro Valadares somos, de súbito, convocados para os territórios da lenda popular e do cinema fantástico. Mas o tempo já é outro. E não apenas nos ecrãs... mas, sobretudo, nas nossas próprias vidas.Cruel transfiguração?

segunda-feira, agosto 20, 2007

"casualties of war"

As "baixas" de que fala o painel -afixado numa das autoestradas mais movimentadas da Galiza-remete-nos forçosamente para uma das realidades sociais mais extremas de aniquilamento concebidas pela sociedade de consumo.

sábado, agosto 18, 2007

max roach (1924-2007)

Percusionista virtuoso, é um dos ícones maiores do jazz que mais contributos deu para a sua transformação. Um revolucionário, evidentemente.

sexta-feira, agosto 17, 2007

corpo/mulher

Une femme mariée (Jean-Luc Godard, 1964)

quinta-feira, agosto 16, 2007

galiza vista do lado de cá


Monte de Santa Tecla, La Guard(i)a -a partir da marginal de Caminha.

"a culpa" em ecrã de Moledo

Ontem à noite, graças à AMIR - Associação de Instrução e Recreio de Moledo, o centro cultural encheu-se de gente interessada (mais de uma centena e meia de espectadores) para assistir à projecção de A Culpa, filme de António Victorino d'Almeida rodado em 1979, em Lisboa e Caminha, e estreado em salas da capital e do Porto um ano depois, com alguma pompa circunstância. A Culpa, recorde-se, teve direito na altura a uma mão cheia de exibições, em antestreia, no Valadares,velho cine-teatro caminhense.
Para os mais "distraídos", convirá lembrar que no despontar dos anos oitenta o cinema português deu sinais de mudança muito prometedores (Manhã Submersa, de Lauro António, Kilas, o Mau da Fita, de Fonseca e Costa, Oxalá e Lugar do Morto, de António Pedro de Vasconcelos, Cerromaior, de Luis Rocha...) que mereceram a adesão entusiástica de muito público mas que com o correr dos tempos (e a retoma de alguns equívocos e obsessões narrativas) se foi esfumando.

A Culpa não é, evidentemente, um grande filme mas tem boas ideias: o velho tema do sentimento de culpa no viver português, aqui e ali pontuado por tons de irreverência e comicidade (nem sempre bem sucedida); um "cast" - onde pontificam, Mário Viegas, Sinde Filipe, Estela Novais, Rui Mendes, Adelaide João, entre outros - que prima pela muito razoável prestação artística; a qualidade da banda sonora, especialmente criada para o efeito, por Victorino d'Almeida e que é reveladora do seu enorme talento, imaginação e arte.

No meio do quase deserto cultural em que se tornou o concelho de Caminha, é de saudar esta iniciativa, como outras que aí vierem. Remar contra a maré, é preciso!.




iraq freedom, lembram-se!?


Pouco importa se os atentados bárbaros de ontem no norte do Iraque foram obra da Al-Qaeda, como pretendem os norte-americanos ou, pelo contrário,uma consequência directa da guerra de ocupação e rapina desencadeada por Bush em março de 2003. Uma coisa é certa: os iraquianos -todos os iraquianos, xiitas, sunitas, curdos, católicos, judeus...- estão a ser vítimas de uma guerra requintada de extermínio perpretada também por aqueles que se apresentaram cínicamente como pretensos "libertadores" e arautos dos valores da democracia. O pesadelo de Abu-Grahib comprova-o bem...demais.
No ano passado, a prestigiada (e insuspeita...) publicação médica britânica ,The Lancet estimava em mais de 600.000 mil os iraquianos mortos desde o início da guerra. Para os meios de comunicação que papagueiam a "opinião que faz lei" esses números do destino trágico dos iraquianos era "excessivo" quer dizer, inconveniente. Recentemente, -há menos de um mês- a Just Foreign Policy divulgou nova estimativa do grau de devastação humana -o hiperexcessivo, valor de 1.007,411!- com base num estudo científico. Credível ou não, a verdade é que o Iraque continua ser laboratório da barbárie. E justificadamente em nome da "moral" do mercado, entre outras !



quarta-feira, agosto 15, 2007

"rest forever here in our hearts"

Dias 23, 24 e 25 de Agosto, Boston presta tributo a Nicola Sacco e BartolomeoVanzetti, dois imigrantes italianos radicais assassinados pelo poder político-judicial norte-americano, em 1927. O mea-culpa veio em 1976 através de uma corajosa tomada de posição do democrata Dukakis, governador do Estado de Massachusets.

segunda-feira, agosto 13, 2007

revisitar miguel torga (1907-1995)


Não há céu que me queira depois disto,
Nem deus capaz de ouvir-me.
Um homem firme
É firme até no céu,
E até diante Do Criador!
É o que eu diria se, ressuscitado,
Fosse chamado
A depor!


Miguel Torga , Depoimento

domingo, agosto 12, 2007

imagem de uma ficção

Verão de 1980. Grutas de Mira D'Aire. Preparação de cena do documentário para a RTP, Moinhos Velhos, do João Ponces de Carvalho. A descida ao poço (com cerca de 25 metros) revelou-se-me uma tarefa bastante desconfortável -apesar do treino prévio- ao ponto de me tremerem os braços...mas absolutamente gratificante de prazer quando toquei chão firme. "Corta! vamos retomar a partir da saliência. Claquette... Acção!". De novo...
Foto: João Ponces de Carvalho

sábado, agosto 11, 2007

apocalypse, now!

Um dia após o "crash" nas principais bolsas mundiais(provocado, recorde-se, pela crise no mercado do crédito imobiliário norte-americano), Vasco Pulido Valente retoma, na edição de hoje do Público, o tema da América e do reinado "irresponsável" da administração Bush. Vê-se que VPV suporta mal qualquer uma das irresponsabilidades maiores que enumera (Iraque, Afeganistão, América Latina...)cometidas por um presidente norte-americano que fez gestos obscenos na televisão, observou exercícios militares com binóculo tapado ou leu do avesso livro infantil . Preocupado com as consequências da mentira e dos enganos(!) de George W. Bush, o clima insurrecional instalado no Partido Republicano e a derrota das aventuras militares, VPV profetiza: "O Ocidente está em risco de ficar sem a América". No pensamento de VPV já se vislumbram no horizonte tempos de catástrofe "inimaginável".
Sabendo que em política não existe a perfeição mas a sabedoria, o mínimo que me apetece dizer é que a América de Bush está a colher as tempestades da cobarde ousadia de invadir, ocupar, colonizar o Iraque com base em mentiras para se apropriar dos seus recursos petrolíferos e hídricos e cumprir objectivos militares geo-estratégicos, e não para "reformar o Islão" coisa nenhuma. O mesmo se aplica ao Afeganistão, evidentemente.

A América de que fala Vasco Pulido Valente só pode ser a América de Bush. É essa a América que deve, de facto, desaparecer -leia-se o artigo de Burt Cohen, "America needs to Impeach". Em nome dos valores democráticos de Jefferson e Luther King. E para bem do Mundo.
Foto: Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola (USA,1979)

sexta-feira, agosto 10, 2007

nos tempos que correm


Na semana passada, um velho amigo, jornalista, aposentado à força em nome duma alegada "reestruturação" (que, na realidade, nunca esteve para acontecer...) deu-me conta da sua preocupação face ao sistema político como se a ameaça à liberdade estivesse de novo na ordem do dia. Alguém (éramos mais três à volta duma mesa da Brasileira) "lembrou" que estamos a assistir a novas concepções de totalitarismo, incomparavelmente mais cruel do que outra forma conhecida de poder. De facto, interrompe o meu amigo, temos o fascismo higiénico, -como o disse Paulo Portas (sorrimos todos)- limitador da liberdade individual do acto de fumar.... a generalizar qualquer dia ao acto de beber e ao de...pensar e agir livremene, quem sabe. O que mais me tem causado perplexidade(interrompe o mais velho de nós) é que dantes no tempo do fascismo a gente se levantava contra aquilo que nos oprimia e agora não, são muito poucos os que ousam... .É -digo eu- a estratégia clássica da sobrevivência de pactuar com a iniquidade e o arbitrio em nome da vidinha, vegetativa e esterilizada... .
Foto: They Live! (John Carpenter, USA-1988)

quinta-feira, agosto 09, 2007

nagazaki foi há 62 anos


a cidade de Nagazaki em 9 Agosto 1945: antes e depois do lançamento da bomba atómica.

segunda-feira, agosto 06, 2007

hiroxima foi há 62 anos


A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
Vinicius de Moraes in Antologia poética

sábado, agosto 04, 2007

recordação de janis joplin

Aos 16 anos, não pensava que as coisas intensas (como o amor, a paixão, a amizade)fossem efémeras.Janis Joplin era um dos meus "refúgios" mais ou menos reconfortante quando alguma dessas coisas não corria bem, acabava(m) ou,simplesmente,me sentia desconfortável, ansioso e passava uns dias no quarto fechado. Eu e Janis!

quinta-feira, agosto 02, 2007

bergman: a explicação da imagem

...Quand on fait un film, il faut arriver à accrocher ses démons à son char et être capable de foncer pour se défaire de tous les masques qui peuvent se succéder et entraver votre recherche de la vérité. Bergman, je crois, était quelqu'un de constamment assailli de tout un tas d'images et il disait dans une formule que je trouve marquante: "Mes films sont les explications de mes images". Le cinéma a vraiment une capacité d'investigation et en retour c'est un cinéaste qui a une valeur d'usage intime, chacun le reçoit très personnellement en fonction de sa sensibilité.
André Téchiné, declarações ao Libération, 31 de Julho 2007
Foto: Sommaren med Monika -1952 (Mónica e o Desejo)

quarta-feira, agosto 01, 2007

eternidade

comme s'il fallait remplacer l'éternité...
Jean-Luc Godard, a propósito de Lettre à Freddy Buache (1982)

antonioni "made in usa"

Zabriskie Point (1970)

terça-feira, julho 31, 2007

alienação, segundo antonioni

Monica Vitti, em L'Avventura (1960), de Michelangelo Antonioni. Primeiro filme (e seu primeiro grande sucesso internacional) da trilogia sobre a mulher na sociedade contemporânea. La notte (1961) e“L'eclisse” (1962) foram os seguintes.

michelangelo antonioni (1912-2007)


"Dou uma grande importância à banda sonora, aos sons naturais, aos ruídos, mais do que à música... . O nosso drama é a incomunicabilidade, que nos isola uns dos outros. A sua permanência faz-nos sentir perdidos e impede-nos de resolver os problemas por nós próprios. Não sou um moralista, nem tenho a pretensão nem a possibilidade de encontrar uma solução... ."
Michelangelo Antonioni,
declarações em "Dicionário de Cineastas", Georges Sadoul, Livros Horizonte ,1979

"last of the greats"

O elogio emocionado de Ingmar Bergman em artigo de Paul Schrader, argumentista(Taxi Driver) e realizador(Blue Collar, Patty Hearst) publicado na edição de hoje The Independent .

tomar o pulso...

O site do Partido Democrático norte-americano merece uma visita para se saber do estado da nação. Para além do "escândalo" Bill O'Reilly (com este a ameaçar destruir a voz de imprensa "DailyKos.com") fica-se a saber que a Administração Bush está a promover a ilegalização (cinco valentes e democráticos Estados já aderiram...) de t-shirts "estampadas" com os nomes dos soldados mortos na farsa sangrenta iraquiana . Mas o que se revela mais interessante é o constatar dum clima"opressivo" e "racista" generalizado no quotidiano americano. Um "passeio" por sites comerciais dão conta da panóplia de adereços anti-Bush e "estado das coisas" a que chegaram os United States of America.
Foto: catálogo wearatshirt.com

segunda-feira, julho 30, 2007

persona:lição de cinema

Confesso: "devo" a Ingmar Bergman o privilégio de, aos 14 anos, me ter confrontado com uma outra forma de fazer cinema, mais inovador, mais deslumbrantemente criador e inquietante (e de grande complexidade) do que até então me parecia. Desde esse dia percebi também que o cinema detinha um poder absolutamente notável; qualquer coisa que se joga entre a (linguagem da) imagem e a vida, e cuja relação connosco é grande, imenso e fascinante, que pode mudar, para sempre, as nossas vidas, como acredito que mudou a minha.

ingmar bergman (1918-2007)

"Eu penso que cada posição de câmara deve ser resultante
de um conhecimento íntimo do cinema .
Sabemos o que queremos obter e, então, também devemos saber
onde colocar a câmara. É uma moral profissional, uma ética."
Ingmar Bergman, Cahiers du Cinéma nº 203

quarta-feira, julho 25, 2007

In memoriam de sacco & vanzetti

Faz em Agosto oitenta anos anos que dois emigrantes italianos, Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, foram usados pelo sistema político-judicial norte-americano e condenados à morte -num processo vergonhoso que veio a ser anulado quase sessenta anos depois- por electrocussão no estado de Massachusetts.
A partir de hoje, e até finais de Agosto, proponho-me aqui lembrar Sacco e Vanzetti não apenas como forma de homenagem mas também como símbolo de reconhecimento de todos aqueles que se estão batendo pela reinvenção do Homem, contra os poderes arbitrários e o totalitarismo nas suas diversas expressões.

simbolizar a coragem

Western "existencialista", High Noon / O Comboio Apitou três Vezes (Fred Zinnemann, 1952), é também visto como uma alegoria política dos anos negros do McCarthysmo da"caça às bruxas" e da intolerância. Relato (em tempo real!) de como uma comunidade citadina se acobarda e isola um xerife determinado e corajoso em afrontar quatro perigosos pistoleiros, High Noon foi na sua época celebrado como um dos exemplos mais interessantes do género e, porventura, aquele que sob um dispositivo clássico se propôs desenvolver um discurso "ideológico" nada tranquilizador sobre a responsabilidade moral colectiva e as virtudes do individualismo. Virtuoso e inteligente, é o filme- tipo no momento político que as televisões portuguesas fariam muitíssimo bem em programar para uma noite destas.

Foto: Gary Cooper e Grace Kelly, High Noon , de Fred Zinnemann (EUA,1952)

terça-feira, julho 24, 2007

simbolizar o "bem"

Noite de segunda-feira frente ao televisor para reencontrar (em dvd) um velho "herói" da adolescência cinéfila: Shane (George Stevens, 1953) afigura-se-me agora envelhecido, ultrapassado, demasiado simbolista. Ainda assim, o filme parece conservar muito da carga mítica com que seduziu, admiravelmente, espectadores de todas as idades. A figura misteriosa de Allan Ladd, o cavaleiro justiceiro de branco vestido, surgido do "nada", a lutar contra o mal, (personificado por Jack Palance, de negras roupagens) era , para mim, uma imagem tão sólida, tão abusivamente perfeita que chegava mesmo a ser paralizante ao ponto de o ter visto quase de seguida num longínquo fim de semana dos inícios de 70.

desmontagem crítica


Ser radical é descer à raiz; e a raiz do homem é o próprio homem (i.e. a sua individualidade)
Karl Marx
Faz trinta anos (para ser preciso, entre 18 Maio de 1977 e 29 Dezembro de 1978)que João Sousa Monteiro nos brindou com "O Homem do Tempo", um singular e nada usual programa radiofónico, transmitido duas vezes por semana na ex-RDP 4. Singular porque assumia um inconformismo, subversivo e radical, na crítica do capitalismo (incluindo o de Estado) e desmontava, um a um, "os tabus sociais de maior impacto estratégico para a sobrevivência e o bom funcionamento de qualquer sociedade civilizada que consiste na proibição de pensar". Pouco ou nada usual porque JSM dirigia-se , num tom revolucionário que não era vulgar, deliberadamente, contra a formatação do conceito, vulgar e demagógico, de "revolucionário" e sobre algumas das suas teorizações mais dominantes.

A força de "O Homem no Tempo" mostrava-se muito para além dos textos ditos por JSM e o suporte audio (voz de Hitler a discursar; ruídos de aviões; metralha e explosões, etc.) que ajudava na "descida aos infernos". É certo que o trabalho de JMS (incómodo, muito incómodo para as "boas" consciências) terminou silenciado, para tranquilidade dos espíritos mais sensíveis e cheios de certezas.

Em 1979, a Assírio & Alvim resolveu publicar os textos que durante semanas, meses constituíram a razão desse refrescante "O Homem no Tempo": "Tire A Mãe da Boca" e "Tabu, príncipe dos cágados de fraldas ao vento ladra ás portas do futuro". Um diptíco imperdível agora que nos acenam com novos velhos costumes totalitários.


Foto: Die Blechtrommel ( O Tambor), de Volker Schlondorff, Alemanha/França, 1979

quarta-feira, julho 18, 2007

a vulnerabilidade do poder


A intolerância é sempre uma perda para quem a pratica.


David Lands, in "A Riqueza e a Pobreza das Nações"

segunda-feira, julho 16, 2007

a ultima oportunidade

Como se esperava, o socialista António Costa ganhou as eleições intercalares para a CML. Sem maioria absoluta e a previsível oposição moderada da assembleia municipal, que lhe é adversa, o ex-ministro Costa tem pela frente uma tarefa verdadeiramente ciclópica: a de voltar a repor a credibilidade na maior autarquia do país e num curto espaço de tempo. Não vai, concerteza, ser tarefa fácil. Por conveniência, mas também por necessidade "funcional"estratégica, o PS vai ter de fazer uma política de antecipação de interesses se não quiser tornar-se refém, não apenas de si mesmo, mas das oposições. É para esse risco, o de subordinação à teia de interesses representados pelo PSD e Carmona (responsáveis pelo desbaratar de crédito estes anos todos), que o PS tem de reagir. De contrário, é a anulação, a erosão numa palavra, renúncia. E, então, teremos a (re)comprovação de estarmos, politicamente, irremediavelmente condenados.

sexta-feira, julho 13, 2007

para minha mãe

Aconteceu-me hoje lembrar-me do teu aniversário. Em poucos instantes revi-te no olhar doce, expectante e por vezes triste a caminhares até mim dares-me um beijo, fazeres-me uma festa, retribuires-me um sorriso e tranquilizares-me com uma palavra.
Aconteceu-me hoje lembrar-te através dos beijos, dos abraços, dos afectos; lembrar-te também através das inquietações, dos receios, das preocupações, das alegrias; lembrar-te ainda através da combatividade, das incertezas, do (des)ânimo. Lembrar-te em muitas coisas que em criança me dizias e me faziam rir porventura das histórias de fadas e gnomos que me lias ao deitar e das matinées de cinema aos domingos, das passeios a pé, dos desenhos que fazias para mim ou dos teus poemas, escritos num pequeno bloco de bolso, que me lias em momentos especiais de felicidade.
Lembrar-me de ti é, como hoje, encontrar-me incomparávelmente só.

quarta-feira, julho 11, 2007

in memoriam de Sousa Mendes, o rebelde consciencioso


A peça de Luís Francisco Rebelo, "A Desobediência", sobre a personalidade corajosa e respeitável do cônsul Aristides Sousa Mendes que ousou desafiar ordens de Salazar salvando as vidas de 30.000 refugiados da demência nazi-fascista vai, a partir de 11 de Outubro, subir ao palco do Teatro da Trindade, numa encenação do actor Rui Mendes.

reflexos do tempo (2)

José Vítor Malheiros no Público de ontem, dia 10 : "Que se exija uma lealdade aos chefes que proíbe a crítica política é algo que não merece outra qualificação senão a de fascista". É confortante ver que nem todos se (re)traíram ao clima de medo e de intolerância que parece grassar impunemente na sociedade portuguesa decorridos trinta e três anos do acto libertador de 25 Abril. Não é por acaso que essa vaga de atitudes ultra-direitistas que vimos assistindo nos últimos dois meses têem tido um propósito deliberadamente provocatório. De resto, o próprio Governo, mais precisamente Sócrates, acusa algum desconforto mas, o certo é que tarda, tarda e muito, a tomada que se impõe de decisão de honra do governo, porque é de honra de um governo eleito democraticamente que se trata. E de um governo saído de um partido socialista. No mínimo, a honorabilidade do governo obriga a desencorajar, revelar desagrado, advertir os candidatos a opressores que a tolerância atingiu, agora e sempre, o grau zero de permissividade.
O governo deve deixar-se de explicações simplistas e, pior, ambíguas, que só tem servido para fazer aumentar a dúvida, duvidar das intenções políticas do Estado, instalar a insegurança progressivamente e a apologia do medo e da obediência cega ( não só para controlar) em que nos querem meter a todos. O governo deve agir, se quiser continuar a merecer o respeito do povo que lhe outorgou, através do voto democrático, a legitimidade do poder.
O artigo, acutilante e corajoso, de Vítor Malheiros é uma tomada de consciência do que está ocorrendo em certos pensamentos bem instalados e que não adianta querer disfarçar e assobiar pró lado. Quanto mais não seja em nome da democracia e dos seus intrínsecos valores.

segunda-feira, julho 09, 2007

reencontrar Kurosawa

Hoje, resolvi perder-me, uma vez mais, de amores por Dersu Uzala (cópia dvd, made in Spain, por 12,5 euros!) e reconfirmar Kurosawa como um dos realizadores mais marcantes e influentes na minha paixão pelo cinema. O texto, da minha autoria, que segue no parágrafo seguinte, foi redigido aquando da estreia, no final da década de setenta, na sala do Apolo 70, já desaparecida e publicado na Linha Geral, revista (ano 3, nº18, março de 79) da UEC (União dos Estudantes Comunistas, liderada por dois "pesos pesados": Zita Seabra e Pina Moura!) para a juventude estudantil, onde eu era colaborador. O texto, competente, mas pouco analítico e muito descritivo, cheio de "vicíos", dizia assim:
Dersu Uzala - A Águia da Estepe, é um filme lúcido e impressionante sobre dois paralelos: o homem e a natureza e a atitude do homem face a si mesmo. Mas é igualmente um filme sobre a amizade entre dois personagens centrais, Arséniev e Dersu. Amizade que se reforça graças ao amor que ambos dedicam à natureza. Tudo isto aliado a um tratamento soberbo da imagem e som. Observação rara, num estilo documental, onde se respira um profundo humanismo que se reconhece cena após cena com tal grandiloquência que fazem de (Akira) Kurosawa um excelente autor . De forma que este filme é um verdadeiro caleidoscópio de excelentes imagens com um dos mais difíceis actores: a natureza , tal como ela é.

Foto: Dersu Uzala, by Akira Kurosawa (URSSJapão, 1975)

domingo, julho 08, 2007

pierre bourdieu, presente!

Defensor da criação de um movimento social europeu capaz de se opor aos ditames da nova ordem económica mundial , o militante social, crítico acérrimo do liberalismo desenfreado e sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) deixou-nos em Contrafogos (1 e 2, publicados pela Editora Celta) uma análise cortante e exemplar sobre as teias económicas dominantes em curso e a sua ofensiva poderosa, pelo gradual desmantelamento do Estado social. Acho que a palavra "cortante" é frouxa para adjectivar com precisão o rigor, a capacidade e a excelência de reflexão sobre os tempos que vivemos. E aqueles que ainda hão-de vir.

sábado, julho 07, 2007

reflexos do tempo (1)

Na companhia do gato, Nico, ( em cima da secretária, atentíssimo aos toques no teclado) reflicto sobre a troca de impressões de ontem com um velho amigo de noitadas cinéfilas: que efeito vão ter em cada um de nós os tiques autoritários e intolerantes expressos nos últimos tempos por alguns respeitabilíssimos membros da admnistração de Sócrates? Voltaremos aos anos de chumbo em que ter opinião contrária irá despertar, de novo, a aplicação da repressão? Por enquanto, o que mais me impressiona, é a tranquilidade bovina reinante: os comportamentos estão já formatados no essencial. Estamos agora na fase de amplificação. Talvez por isso a minha disponibilidade por estes dias para reler Chomsky, Bourdieu, Huxley(como também, Orwell) e Kafka tem sido quase total. Não, não como "porto de abrigo" nem essas tretas todas, antes como cúmplice de homens que pensaram o Homem com extrema lucidez profética.

Agrada-me que esta vontade de retorno ao Homem seja feita justamente por tão exímios ilustradores.
Foto: Stalker, by Andrei Tarkovsky (URSS, 1979)

quinta-feira, julho 05, 2007

totalitarismo estatal

Confesso: o pensamento da secretária Pignatelli sobre a liberdade de expressão e quais os sítios adequados e menos próprios para expressar opiniões conduziu-me de imediato ao quarto de banho cá de casa (por razões de pura comodidade e segurança... bacteriológica) para melhor avaliar do simbolismo do lugar onde, como aconselha a simpática senhora, deverão
ser despejados os nossos mais secretos rancores contra os governos, a nossa raiva incontida contra os ministros, os subsecretários e secretários (desculpem a des-ordem), os adjuntos dos últimos e respectivos assessores e chefes de gabinete se for caso disso.
Confesso: parte da missão da secretária Pignatelli era escusada, pelo menos para mim. O pensamento, isto é, todo o livre pensamento, foi sempre perseguido e condenado pelos poderes totalitários. Para o totalitarismo (estatal) não basta ser-se absoluto e arbitrário é preciso levar á asfixia toda e qualquer crítica do espírito. Foi isso que aprendi aos 16 anos em pleno regime fascista. Que fazer? Bom, sempre podemos por começar carregar no botão do autoclismo. E, de seguida, passar à acção... recordando Manuel Alegre: Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.

terça-feira, julho 03, 2007

Abu Graib:as confissões do general

A revista norte-americana, New Yorker, publicou no seu número de 25 de Junho uma entrevista, bastante esclarecedora, com o ex- general Antonio Taguba, responsável pela primeira investigação militar sobre as torturas praticadas na prisão de Abu Graib de Bagdad. Segundo Taguba, -que acabou afastado por se ter recusado a ocultar a barbárie praticada na prisão iraquiana- "o ex-Secretario de Defesa, Donald Rumsfeld, e outros altos funcionarios conheciam, meses antes da sua divulgação pública, a existência de mal tratos e torturas praticadas" no célebre cárcere da capital do Iraque.

Para aceder ao artigo, na íntegra, clique em:www.newyorker.com/reporting/2007/06/25/070625fa_fact_hersh





segunda-feira, julho 02, 2007

sinal de "progresso"

Por decisão da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) tomada em Abril passado, a EscolaEB 23 Padre Agostinho Caldas Afonso é extinta a partir de Agosto. Não fosse o caso de escola ter sido escolhida para receber o "Prémio Iberoamericano de Excelência Educativa 2007", atribuído por um organismo internacional não governamental, sedeado no Panamá, e o fecho anunciado deste estabelecimento de ensino seria apenas mais um nas estatísticas. Que explicação (simplista) tem o Ministério da Educação para mais este sinal de esclerose do sistema? Arrisco a "máxima" (que me ocorre no momento): descerebrizado pela grosseria neo-liberal o responsável (ou, os responsáveis) por mais este acto de depauperamento do país deu uma prova de se ter demitido da condição humana.

domingo, julho 01, 2007

running on empty revisitado

Metáfora sobre a família (que se reporta às consequências de um acto de luta política nos anos 60 contra a guerra do Vietname) , Running on Empty / "Fuga Sem Fim" , de Sidney Lumet mereceu, na altura da estreia em sala (verão 1989), os mais calorosos elogios por parte da crítica. E o caso não era para menos. Surpreendentemente, ou talvez não, Lumet fez de um tema carregado de emocionalidade e permeável à exploração lamecha, um filme de enorme contenção narrativa, sobriedade e rigor. Rever, dezoito anos depois, Running on Empty , em dvd, ficou -me amplamente demonstrado que o "toque" de Lumet fica para sempre fixado na minha retina como um dos mais comovidos e simples deslumbramentos humanos.
Foto: River Phoenix e Christine Lathi, em Running On Empty (1988), by Sidney Lumet

sábado, junho 30, 2007

palavra de homem

I refuse to be silent any longer. I refuse to be party to an illegal and immoral war against people who did nothing to deserve our aggression. My oath of office is to protect and defend America's laws and its people. By refusing unlawful orders for an illegal war, I fulfill that oath today.
U.S. Army First Lt. Ehren Watada

sexta-feira, junho 29, 2007

ideia de felicidade

Salvo uma ou outra excepção a política do governo continua a seguir, passo a passo, a cartilha de recomendações do FMI. E é pena, porque ao contrário do que se pensa, a sociedade portuguesa não tem (nem terá, nunca) desenvoltura nem dinâmica capazes de aguentar os efeitos devastadores das políticas económicas de "ruptura" em curso, definidas como "necessárias e imperiosas" para o "sucesso" de Portugal, como rezam todas as teses.Nem muito menos estamos preparados para as suas consequências. Em nome do mesmo "sucesso", pedem-nos que enterremos os sonhos (quer dizer, as aspirações, os desejos, as vocações...) e nos disponhamos de bom grado a aceitar todo o tipo de estereotipos e de normas, novas, em que "necessáriamente" passaremos a viver, a depender, para nosso bem, individual e colectivo, evidentemente.


O pior desta tragédia não é o facto de acabarmos, dia menos dia, por nos tornarmos ainda mais escravos e pobres, o pior é convencerem-nos através da alienação que o sonho é um absurdo agora e sempre para o resto das nossas vidas. A tragédia maior é que é preciso um esforço, enorme, para levar as pessoas a perceberem que ele, o sonho, é uma coisa que lhes pertence por direito, que lhes é intrinseca e não é "negociável", em nenhuma situação como as outras coisas que deixámos , pouco a pouco, e cobardemente, nos fossem sendo retiradas.Em nome da "crise", do "desenvolvimento" e também de um "futuro radioso" que jamais conheceremos. Se calhar a ideia de felicidade para a maioria continuará a estar, por muitos anos e bons, no preenchimento semanal do euromilhões. Quer dizer, pelo jogo, pelas apostas, só. Maior felicidade do que esta não pode haver!

quarta-feira, junho 13, 2007

intensidade sugestiva

Donde teria partido esta vontade súbita em voltar a ler António Ramos Rosa? Se calhar depois de ouvir (no pick-up!) os études, op. 10 & op. 25, de Chopin pelo toque virtuoso do piano de Maurizio Pollini. Que relação entre Chopin e Ramos Rosa? O certo é que um produziu, por assim dizer, o efeito (sugestivo) de desejo sobre o "outro". A (re) leitura de Ramos Rosa despoletada pela audição de Chopin deu nisto: a vontade de partilhar um poema (dos maiores...) de A.Ramos Rosa que é (como não podia deixar de ser) de uma enorme intensidade lírica na expressão do alargamento do sentir e do desejo do "eu" e do "tu".
Em abandono límpido tocar
a margem ou centro sob o sol
no perfeito e inacabado arco
do poema
em delírio de um avanço no silêncio
incorporar o escuro sopro de uma
sombra
percurso lúcido e essencial de uma
palavra
até ao limite intransponível
até ao hábito inicial
de uma boca
de terra e ar
fresca do silêncio no avanço
de um espaço branco e negro
margem e centro terra sempre
no fundo a secreta praia lisa
talvez o incessante respirar
(António Ramos Rosa, Boca Incompleta, Edição Artcádia)

domingo, junho 10, 2007

por este rio acima...

Uma das criações maiores da música portuguesa que não me canso de (re)ouvir sempre que a vontade o impõe. Maior também pela fonte (inesgotável) de inspiração. Por ele passou muita da força criativa de "Além do Maar"(Circulo de Leitores / Bertrand), do meu querido amigo Miguel Medina, morto faz exactamente um ano.

revisitar Joanne Woodward


A noite passada, furioso com o desplante assassino da rtp2 em exibir, numa cópia "pan & scan", um dos maiores filmes de Sydney Pollack, "Jeremiah Johnson", decidi procurar no acervo de vhs's "algo" suficientemente apaziguador e belo que me fizesse esquecer mais este acto hediondo (agravado pela habitualidade...) da televisão pública. Sem quaisquer reticências, optei por rever The Effect of Gamma Rays on Man-in-the Moon Marigolds ("O Efeito dos Raios-Gama no Comportamento das Margaridas", estreado no antigo Pathé, no outono de 1973...), de Paul Newman, baseado na obra de Paul Zindel, (prémio Pulitzer) com Joanne Woodward. O que é tocante neste drama intimista (a fazer lembrar uma peça de Tennesse Williams) é a actuação vigorosa de Joanne Woodward, na pele de uma mulher sem amor à volta com as dores de crescimento das suas duas filhas, adolescentes. Newman, que filma magistralmente, sabe como ninguém convocar os sinais de vida, as esperanças e desilusões, as dádivas e a retribuição, as incongruências e a desfaçatez. Parafraseando Angelopoulos, restar-nos -á o tempo inteiro e um dia?

palavras de howard zinn

Civil disobedience is not our problem. Our problem is civil obedience. Our problem is that numbers of people all over the world have obeyed the dictates of the leaders of their government and have gone to war, and millions have been killed because of this obedience. Our problem is that people are obedient all over the world in the face of poverty and starvation and stupidity, and war, and cruelty. Our problem is that people are obedient while the jails are full of petty thieves, and all the while the grand thieves are running and robbing the country. That's our problem.
Howard Zinn, historiador, in 'Failure to Quit'

quinta-feira, junho 07, 2007

dores de crescimento (7)

Lembro-me de ficar minutos no miradouro de s.pedro de alcântara a olhar as luzes brilhantes da avenida e de vaguear pelo cais ao amanhecer, lembro-me. Do mal que nós fizémos, do bem que não deixo de memorar, quando vou no convés do cacilheiro procurar na outra margem o sentido dos nossos absurdos.
Lisboa, Rua Pascoal de Melo, 10 de Setembro de 1984

terça-feira, maio 29, 2007

o futuro (utópico) da moral segundo Sartre

A fraternidade é o que os homens serão uns em relação aos outros, quando, através de toda a nossa História, se puderem dizer ligados afectiva e afectivamente uns aos outros. Se me falta alguma coisa, dás-ma, e vice-versa. Isto é o futuro da moral.

Jean-Paul Sartre, declarações a Benny Levy em Nouvel Observateur (Março de 1980), transcritas em O Jornal, edição de 9 Maio 1980.

segunda-feira, maio 28, 2007

santo ofício II

António Vitorino, dirigente do PS, hoje no jornal da noite da RTP1: "A prepotência dos pequenos poderes é a pior das prepotências". A esse respeito estamos de acordo. Mas não basta. Ou se castigam, forte e feio, os abusadores -que se acham senhores de todo e qualquer poder- onde quer que eles estejam ou então tudo não passa, tristemente, de mera condenação "retórica" destes ou de outros "excessos" de zelo. Vitorino acha mais: que "a suspensão (preventiva) é um mecanismo desproporcionado". Que o diga eu, protagonista à força de uma "ópera bufa" que subiu á cena num conhecido organismo público, em Março de 2005, dirigida por um ilustríssimo director de serviço com "carta branca" para a prepotência, o abuso e toda a espécie de atropelos à legalidade democrática de um Estado que se julgue... como tal.

sábado, maio 26, 2007

santo ofício


Em certo sentido, a situação do país retira toda a razão aqueles que perderam toda e qualquer capacidade de visão do real e são já incapazes de ver distintamente a realidade que a todos circunda. Os sinais de pulsão autoritária, de intolerância e perversão dos valores da democracia que vieram esta semana a público do norte do país (episódio DREN e da sua dedicadíssima directora-geral, of course!) não se devem a meros circunstancialismos, ajustam-se na perfeição ao clima de fascização social reinante que se vem instalando (e alastrando, em pézinhos de lã) em alguns ministérios, institutos públicos, autarquias, bancos, empresas, etc. . Para a depuração ser eficaz "pedem-nos" que nos mantenhamos em estado de impotência serial.

quarta-feira, abril 18, 2007

palavras de gandhi

My notion of democracy is that under it the weakest shall have the same opportunities as the strongest...no country in the world today shows any but patronizing regard for the weak... Western democracy, as it functions today, is diluted fascism...true democracy cannot be worked by twenty men sitting at the center. It has to be worked from below, by the people of every village.

Gandhi