quarta-feira, setembro 26, 2007

reflexos do tempo(3)

1. Por estes dias, em que o prazer da leitura (no caso, J.P.Sartre, Politica e Autobiografia, ed. António Ramos, 1977, tradução de Pedro Tamen) se tem sobreposto ao prazer da escrita no blog, o meu pensamento tem-se "perdido de amores" no terreno político e, claro está, designadamente sobre as novidades (já com efeitos assinaláveis) contidas nos novos Código Penal e Código do Processo Penal. Sem esperar pelo que ainda falta vir -como, por exemplo, as leis de Segurança Interna e de Organização da Investigação Criminal, que o Governo anunciará por certo antes do final do ano- tenho-me é deliciado ainda mais a tentar "acertar" em quais terão sido as motivações mais intímas (dos espíritos humanos que exercem o poder) para tanto empenhamento em assegurar o mínimo dos danos colaterais para manter a essência do sistema nos tempos ainda mais sombrios, que virão. A ideologia global (política, moral, etc.) que vem contaminando os governos de quase Mundo inteiro (a pretexto, sublinhe-se do 11 de Setembro de 2001), impondo a sua visão das "novas relações reais", subvertendo princípios e recuperando antigas obsessões (concepção de um estado policial e hipervigiado) reflecte quanto "desesperada" (ia a escrever "acossado") é a sua percepção do mundo: constatação de desagregação.

2. A histeria, patética, anti-Irão sobe, de novo, de tom a pretexto da visita (por certo "provocatória", dixit o Pentágono) às Nações Unidas do Presidente Mahmoud Ahmadinejad. Para além do habitual recrudescimento da contra-informação, o episódio vem mesmo a calhar para desviar as atenções dos "flops" em todas as frentes da descredibilizada Administração Bush. Mais um nó de cinismo. Mais um clamor de teatralidade!
3. Sem contemplações, a "lógica" do mercado ditou a sentença capital à unica revista de cinema editada em Portugal. Após oito anos de publicação, a Première é forçada a sair de cena, apesar de sempre haver mantido um nível baixo de custos de produção. Parabéns, Zé Vieira Mendes (e um grande abraço!), por teres andado este tempo todo a correr o risco de manter vivo o espirito crítico... .
4. Foi de um grande refinamento. Mestre exímio da comunicação corporal / gesto e na articulação da expressão. No trabalho do silêncio. Marcel Marceau, evidentemente. Um dos meus ídolos (como Chaplin, Buster Keaton, Laurel & Hardy, Fernandel ) supremos desde a infância.

quarta-feira, setembro 19, 2007

"welcome to fascism!"


Restrições das liberdades cívicas, detenção de militantes dos direitos humanos, proibição de uso público de t-shirts com slogans estampados anti-bush, repressão de manifestações contra a guerra do Iraque, actos de intimidação de imprensa online, crescente militarização das forças policiais, são alguns dos sinais dos tempos (agravados pós-11 de Setembro) em curso na América.

O incidente invulgar , mas não fora de série de outros com carácter policial repressivo de estudantes, ocorrido anteontem ("Dia da Constituição") na Universidade da Florida, em Gainesville, durante uma palestra do ex-candidato presidencial democrata, John Kerry e um aluno, Andrew Meyer, parece vir comprovar as teorias que apontam para uma situação gradual de fascização dos Estados Unidos. Como escrevia um leitor norte-americano, "Sieg Heil!".
(Foto: Thomas Good / Next Left Notes:Estudantes nova-iorquinos em acção de protesto contra a ocupação do Iraque)

sexta-feira, setembro 14, 2007

chile 1973:o "outro" 11 de setembro

Oito meses antes do 25 de Abril de 1974, os Estados Unidos punham ponto final parágrafo á experiência democrática chilena iniciada em 1970, em plena "guerra fria", com a eleição do médico e socialista, Salvador Allende. Para a administração norte-americana, as"ousadias" (nacionalizações, reforma agrária, políticas sociais, aproximação do "bloco" soviético e de Cuba,etc.) do governo de unidade popular e o receio do "efeito de simpatia" poder contaminar a região -na maioria dos países, governada por juntas militares fascistas- desestabilizando a ainda mais, era por demais intolerável. Em menos de seis meses, o Pentágono, a Cia, as transnacionais, põem em marcha acções de desestabilização política, social e económica para descredibilizar o governo e forçá-lo a abdicar ou, como veio a ocorrer, derrubá-lo através de um "putsch" militar, cirúrgico e brutal.
Graças à visão "pragmática"(!) de Henry Kissinger, aos milhões de dólares gastos nas operações terroristas (atentados, assassinatos de oficiais militares legalistas, sabotagens de vias de comunicação, destruição de infra-estruturas, etc.) o Chile regressava a 11 de Setembro de 1973 ao concerto das nações "livres" com um novo rosto na presidência: o general Augusto Pinochet, nomeado por Allende, em 1972, no cargo de Chefe das Forças Armadas e que jurara lealdade à República e ao governo. Faz 34 anos que Allende morreu "suicidado" nos escombros do Palácio de La Moneda. Faz 34 anos que nas ruas de Santiago a soldadesca acendia fogueiras com livros(de Marx a Jack London), revistas, jornais apreendidos em rusgas casa a casa. Objectivo de Pinochet: "exterminar o cancro marxista"!.
Tal como na Alemanha nazi. Tal como na Grécia dos coronéis.

a impossibilidade do compromisso

Por estes dias, sinto cada vez menos paciência em lidar com o "ruído", vão e alienante, à volta do caso Maddie, das rivalidades infantis e dos jogos de poder internos no PSD, das manchetes grotescas da maioria da imprensa escrita. Não apenas porque não tenho qualquer necessidade de fazer o gosto ao sistema que é o de nos forçar a alimentar o grande circo em cena no reino (contaminado pela hipocrisia), mas também porque tenho mais que fazer do que me prestar a "utilitário" no funcionamento (cada vez mais disfuncional e caduco,
ou vice-versa) do aparelho ideológico do poder. Por estes dias, o curioso foi "sentir-me" a reatar com prazer a leitura de romance, a rever antigos "amores" cinéfilos -como, o muito belo, Voskhozhdenie A Ascensão, de Larissa Chepitko ou o contido e muito sensível, Una Giornata Particolare, de Ettore Scola- , (re)ouvir Jan Garbarek (em Lisboa, no mês de Novembro) e pôr a escrita em dia.
No filme de Larissa, reforcei a minha admiração pelo personagem Stonikov: aquele que não trai, nem os outros nem a si mesmo, e ousa mostrar uma "heroicidade sem limite" não apenas para mostrar a sua integridade impoluta mas sobretudo afirmar a grandeza dos valores e ideários em que acredita convictamente e que não pode abdicar porque não existe qualquer possibilidade de compromisso.
Foto: cena de rodagem de Voskhozdenie, de Larissa Cheptiko (URSS, 1976)

terça-feira, setembro 04, 2007

prazer do romance

Durante as férias, "penitenciei-me"do desinteresse a que tenho votado -desde o inicio de Março...- a literatura de ficção. Esse retorno ao (prazer do) romance literário foi, por um acaso feliz (ao remexer nos livros de minha mãe), iniciado com a leitura de Terra de Neve ( Yukiguni), uma obra-prima da escrita de Yasunari Kawabata(1899-1972), que é só um dos maiores (e mais esquecidos entre nós...apesar de obra editado) escritores nipónicos do século XX, prémio nobel em 68.
Sensível, poética, fluída a escrita poderosa de Kawabata tem o enorme poder de despertar o prazer da leitura
Terra de Neve, de Yasunari Kawabata
Edição das Publicações Dom Quixote, Dezembro 1968
Tradução de Armando Silva de Carvalho. Capa de Lima de Freitas