Gostaria, afinal, que a minha imagem imóvel, atormentada entre mil fotos
mutáveis consoante as situações, a idade, coincidisse sempre com o meu "eu"
(profundo,como se sabe); mas é o contrário que é preciso dizer: sou "eu"
que nunca coincido com a minha imagem, porque é a imagem que é pesada,
imóvel, obstinada(aquilo em que a sociedade se apoia), e sou "eu" que sou leve,
dividido, disperso e que, como um ludião, não fico quieto, agitando-me no meu bocal.
Ah, se ao menos a fotografia pudesse dar-me um corpo neutro, anatómico,
um corpo que não significa nada! Infelizmente, sou condenado pela fotografia,
que julga fazer bem ter sempre um semblante: o meu corpo não encontra nunca
o seu grau zero, ninguém, lho dá (talvez só a minha mãe? Porque não é a diferença
que retira o peso da imagem -nada como uma fotografia "objectiva", do género Photomaton, para fazer de nós um assassino, procurado pela polícia -, é o amor, o amor extremo).
Roland Barthes
(in La Chambre Claire (Note sur la photographie), Edições 70)
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