segunda-feira, julho 31, 2006
outro teatro
Em pouco mais de meia dúzia de meses a nova Direcção do Teatro Nacional D. Maria II teve a capacidade de intuir com particular habilidade qual o estatuto de excelência que melhor se adequaria no futuro ao Teatro Nacional não apenas para lhe garantir a reabilitação a que tem direito mas também, ou sobretudo, para o posicionar no primeiro galarim das congéneres salas das capitais europeias.
Dotado de uma programação que parece estar orientada para promover outros, novos e diferentes valores artísticos (a que se junta a evidente preocupação de recuperação de públicos) , o D.Maria II reaparece assim com a abertura de espírito indispensável e dotado de outra sensibilidade.
Ganhos evidentes dessa mudança são já notórios, -para além do êxito do Lisboa Mite e da dinamização dos espaços nobres com espectáculos regulares de música e debates- entre outros factos assinaláveis, a (re)abertura da livraria com índices de frequência e vendas que ultrapassaram as (tímidas) expectativas iniciais, a abertura à divulgação do cinema e do audiovisual, a esplanada no exterior, as visitas públicas... . Como se não bastasse, os resultados positivos (de bilheteira) que recentemente vieram a público e que ultrapassam os do período de 2004/2005 são de molde a não ofuscar a tranquilidade do percurso.
efeitos secundários
Graças ás bombas e aos mísseis que espalham a morte no Líbano em particular os actos deliberados ("selectivos") de assassínio de civis , incluindo crianças, ataques a comboios humanitários e a ambulâncias, destruição calculada das infra-estruturas básicas de um país, o governo e os militares de Israel estão (conscientemente?) a dar ao Hezbollah e ao seu líder aquilo que este nunca imaginaria sonhar ser realizável um dia: uma popularidade a subir em flecha que começa a unir os povos árabes da região e colhe a admiração e o empolgamento das populações martirizadas também da Palestina ocupada.
a força do poder
Entre os estrategas militares hebraicos deve haver, concerteza, cinéfilos puros e duros: as designações das suas "campanhas"(eufemismos...) contra os palestinianos e/ou libaneses parecem ser usualmente fruto de inspiração em clássicos do cinema, como ocorreu com a célebre "as vinhas da ira" (Grapes of Wrath, em inglês) porventura em homenagem á obra-prima de matriz social de John Ford centrada no período negro da Grande Depressão como a retratou magníficamente também John Steinbeck, a quem o filme muito deve.
Fica o "simbolismo": para Israel a razão do conflito é como sempre o foi uma questão de posse da terra. Como no filme/romance os agricultores e famílias são forçados a abandonar as suas terras por força do poder dos bancos e aprocurar a sorte noutras paragens, na Palestina aplica-se também a máxima, quem tem a força tem o poder ou vice-versa. Interessante...
Fica o "simbolismo": para Israel a razão do conflito é como sempre o foi uma questão de posse da terra. Como no filme/romance os agricultores e famílias são forçados a abandonar as suas terras por força do poder dos bancos e aprocurar a sorte noutras paragens, na Palestina aplica-se também a máxima, quem tem a força tem o poder ou vice-versa. Interessante...
domingo, julho 30, 2006
"eu acredito em ti"
Há quem creia em Deus e o veja em toda a parte.
Eu acredito em ti
E vejo-te em tudo o que na vida me dá profundo gosto de viver,
Tudo o que me sorri
E também em tudo o que me faz sofrer.
Vejo-te na recordação da minha infância
-Menino que sonhava estrelas iguais às minhas-
E no despontar das manhãs claras,
Quando o mundo era cheio de mistérios
E cada coisa uma interrogação.
Crescemos juntos sem nos conhecermos,
mas quando nos cruzámos por acaso
Eu soube que eras tu.
Maria Eugénia Cunhal
in Silêncio de Vidro, Edição de Autor, 1962
de olhos fechados
Sábado de manhã. Passo pelo café das arcadas e não resisto a tomar um café na esplanada.O meu olhar fixa-se numa mesa que começa a ser tocada pelo sol. Sento-me virado para sul, recebendo o sol de frente; tiro os óculos.
Do outro lado da rua dois cães trotam alegremente em direcção ao liceu. Fico a vê-los dobrar a esquina e a imaginar a correria que farão quando chegarem às terras que ficam por detrás da escola.Fecho os olhos e a erosão é total. Olhos fechados, sem reticências.
sábado, julho 29, 2006
if...
"If the innocent honest Man must quietly quit all he has for Peace sake, to him who will lay violent hands upon it, I desire it may be considered what kind of Peace there will be in the World, which consists only in Violence and Rapine; and which is to be maintained only for the benefit of Robbers and Oppressors."
John Locke (1632-1704) Filósofo e teórico político inglês
in Second Treatise of Civil Government, p. 465, Lasslet Edition, Cambridge University, 1960
o filme dentro do filme
(Revi, hoje á tarde, e pela 4ª vez -numa cópia em vhs,velhinha e em mau estado- , aquele que é, para mim, um dos mais belos filmes de Truffaut realizado com paixão e inteligência sobre o amor ao cinema... . Um filme dentro do filme, a imagem dentro da imagem -que outra forma mais poderosa de identificação emocional senão a que Truffaut nos propôs hà mais de 30 anos, quando Godard já anunciava entre dentes "a morte do cinema"?)
"Aux questions que le public se pose sur le thème : « Comment tourne-t-on un film ? » j’ai voulu avec La Nuit Américaine apporter des réponses visuelles, les seules possibles ; et pourtant voici que ce film devient un livre !"
"Aux questions que le public se pose sur le thème : « Comment tourne-t-on un film ? » j’ai voulu avec La Nuit Américaine apporter des réponses visuelles, les seules possibles ; et pourtant voici que ce film devient un livre !"
François Truffaut
sexta-feira, julho 28, 2006
virose de culto
Palavras oportunas (certeiras e bem-humoradas) de José Miguel Júdice no Público de hoje:
"Os portugueses são assim. Abusam do poder, confundem poder com autoridade, acham -como os romanos achavam do direito de propriedade- que é no abuso que se revela o seu esplendor o poder de que se usufrui. E depois admiram-se que ninguém os respeite, que todos os desprezem: os menos afoitos, da forma rasca e merdosa, com facadas pelas costas logo a seguir às palmadinhas. Os outros, de frente, olhos nos olhos...mesmo quando ...se não esteve a falar para o boneco porque o boneco fugiu".
"Os portugueses são assim. Abusam do poder, confundem poder com autoridade, acham -como os romanos achavam do direito de propriedade- que é no abuso que se revela o seu esplendor o poder de que se usufrui. E depois admiram-se que ninguém os respeite, que todos os desprezem: os menos afoitos, da forma rasca e merdosa, com facadas pelas costas logo a seguir às palmadinhas. Os outros, de frente, olhos nos olhos...mesmo quando ...se não esteve a falar para o boneco porque o boneco fugiu".
quinta-feira, julho 27, 2006
mecanismos
quarta-feira, julho 26, 2006
imaginário
A noite passada
sonhei contigo, meu amor
Estavamos á espera do sol nascer
que não veio
porque entretanto acordei
só
sem ti
Lisboa, Entrecampo, 4 Novembro 1982
sonho
terça-feira, julho 25, 2006
carta de Chomsky, Saramago, Harold Pinter, Tariq Ali e outros
(gravura de Picasso)
letter from Chomsky and others on the recent events in the Middle East (July 19, 2006):
The latest chapter of the conflict between Israel and Palestine began when Israeli forces abducted two civilians, a doctor and his brother, from Gaza. An incident scarcely reported anywhere, except in the Turkish press. The following day the Palestinians took an Israeli soldier prisoner - and proposed a negotiated exchange against prisoners taken by the Israelis - there are approximately 10,000 in Israeli jails.That this "kidnapping" was considered an outrage, whereas the illegal military occupation of the West Bank and the systematic appropriation of its natural resources - most particularly that of water - by the Israeli Defence (!) Forces is considered a regrettable but realistic fact of life, is typical of the double standards repeatedly employed by the West in face of what has befallen the Palestinians, on the land alloted to them by international agreements, during the last seventy years.
Today outrage follows outrage; makeshift missiles cross sophisticated ones. The latter usually find their target situated where the disinherited and crowded poor live, waiting for what was once called Justice. Both categories of missile rip bodies apart horribly - who but field commanders can forget this for a moment?
Each provocation and counter-provocation is contested and preached over. But the subsequent arguments, accusations and vows, all serve as a distraction in order to divert world attention from a long-term military, economic and geographic practice whose political aim is nothing less than the liquidation of the Palestinian nation.This has to be said loud and clear for the practice, only half declared and often covert, is advancing fast these days, and, in our opinion, it must be unceasingly and eternally recognised for what it is and resisted.
Tariq Ali
John Berger
Noam Chomsky
Eduardo Galeano
Naomi Klein
Harold Pinter
Arundhati Roy
Jose Saramago
Giuliana Sgrena
Howard Zinn
(consultar site: www.chomsky.info )
letter from Chomsky and others on the recent events in the Middle East (July 19, 2006):
The latest chapter of the conflict between Israel and Palestine began when Israeli forces abducted two civilians, a doctor and his brother, from Gaza. An incident scarcely reported anywhere, except in the Turkish press. The following day the Palestinians took an Israeli soldier prisoner - and proposed a negotiated exchange against prisoners taken by the Israelis - there are approximately 10,000 in Israeli jails.That this "kidnapping" was considered an outrage, whereas the illegal military occupation of the West Bank and the systematic appropriation of its natural resources - most particularly that of water - by the Israeli Defence (!) Forces is considered a regrettable but realistic fact of life, is typical of the double standards repeatedly employed by the West in face of what has befallen the Palestinians, on the land alloted to them by international agreements, during the last seventy years.
Today outrage follows outrage; makeshift missiles cross sophisticated ones. The latter usually find their target situated where the disinherited and crowded poor live, waiting for what was once called Justice. Both categories of missile rip bodies apart horribly - who but field commanders can forget this for a moment?
Each provocation and counter-provocation is contested and preached over. But the subsequent arguments, accusations and vows, all serve as a distraction in order to divert world attention from a long-term military, economic and geographic practice whose political aim is nothing less than the liquidation of the Palestinian nation.This has to be said loud and clear for the practice, only half declared and often covert, is advancing fast these days, and, in our opinion, it must be unceasingly and eternally recognised for what it is and resisted.
Tariq Ali
John Berger
Noam Chomsky
Eduardo Galeano
Naomi Klein
Harold Pinter
Arundhati Roy
Jose Saramago
Giuliana Sgrena
Howard Zinn
(consultar site: www.chomsky.info )
caos e horror
foto:AP
Nos noticiários da manhã de ontem , mais um episódio anbsolutamente condenável e inaceitável da guerra dejá-vú no Iraque e no Afeganistão: aviões israelitas executaram várias missões de bombardeamento e de disparos de mísseis sob colunas de automoveis de civis libaneses em fuga para o Norte do Líbano. A atestar pelo número de mortos a precisão dos ataques foi tout court ( e dispensa mesmo as tais "bombas inteligentes" que Bush quer enviar a Israel): uma família de 7 membros, na maioria crianças, foi pulverizada no seu automóvel; um autocarro recebeu o impacte de um míssel (concerteza que também muito"inteligente") e 14 dos seus ocupantes tiveram morte imediata; diversas outras viaturas de civis foram atacadas numa estrada já destruída em anteriores incursões e mais 7 libaneses morreram.
Contra isto não pode haver qualquer tolerância. Nenhum israelita pode ter dúvidas numa coisa: os libaneses já perceberam que a estratégia dos sionistas não é o Hezbollah como querem fazer crer para a opinião pública mundial mas a nação soberana do Líbano. Se a estratégia era a de, no prazo imediato, virar a população libanesa (muçulmanos, judeus, cristãs) contra o movimento do Hezbollah então Telavive cometeu um erro grasso e de palmatória. É lamentável que não haja ninguém no governo de Israel que se oponha com determinação a esta carnificina gratuita e só estejam interessados nos jogos de bastidores que já pouco ou nada conseguirão mudar (a favor de Israel) no complexo tabuleiro geoestratégico que é o Medio Oriente hoje.
Lembro-me que uma das máximas dos neo-conservadores instalados em redor de Bush era o recurso ao "caos", o caos em toda a sua expressiva dimensão como esta que ora subiu á cena no Libano e nos impele cada vez mais a reflectir. Por exemplo, sobre o terrorismo de Estado.
Nos noticiários da manhã de ontem , mais um episódio anbsolutamente condenável e inaceitável da guerra dejá-vú no Iraque e no Afeganistão: aviões israelitas executaram várias missões de bombardeamento e de disparos de mísseis sob colunas de automoveis de civis libaneses em fuga para o Norte do Líbano. A atestar pelo número de mortos a precisão dos ataques foi tout court ( e dispensa mesmo as tais "bombas inteligentes" que Bush quer enviar a Israel): uma família de 7 membros, na maioria crianças, foi pulverizada no seu automóvel; um autocarro recebeu o impacte de um míssel (concerteza que também muito"inteligente") e 14 dos seus ocupantes tiveram morte imediata; diversas outras viaturas de civis foram atacadas numa estrada já destruída em anteriores incursões e mais 7 libaneses morreram.
Contra isto não pode haver qualquer tolerância. Nenhum israelita pode ter dúvidas numa coisa: os libaneses já perceberam que a estratégia dos sionistas não é o Hezbollah como querem fazer crer para a opinião pública mundial mas a nação soberana do Líbano. Se a estratégia era a de, no prazo imediato, virar a população libanesa (muçulmanos, judeus, cristãs) contra o movimento do Hezbollah então Telavive cometeu um erro grasso e de palmatória. É lamentável que não haja ninguém no governo de Israel que se oponha com determinação a esta carnificina gratuita e só estejam interessados nos jogos de bastidores que já pouco ou nada conseguirão mudar (a favor de Israel) no complexo tabuleiro geoestratégico que é o Medio Oriente hoje.
Lembro-me que uma das máximas dos neo-conservadores instalados em redor de Bush era o recurso ao "caos", o caos em toda a sua expressiva dimensão como esta que ora subiu á cena no Libano e nos impele cada vez mais a reflectir. Por exemplo, sobre o terrorismo de Estado.
o olhar de TeoDias
(foto: gentileza de Teodósio Dias)
O "portfólio" do Teodósio Dias (dotempoedaluz.blogspot.com) é uma espécie de irmão de outro blogue -ruasdaminhacidade.blogspot.com- também da autoria do Teo. O que fica da visão dessas páginas é mais do que fascinação de um solit(d)ário é uma visão agre e doce impregnada de memória pelas ruas da cidade do Porto, muito amado. É como se a câmara de Teo Dias ou vice-versa tivessem assumido a interessante tarefa de se constituirem numa espécie de vigilantes e/ou zeladores da cidade e de tudo o que ela incorporou e incorpora ainda, apesar dos crimes cometidos diáriamente contra ela.
O Porto tem no olhar de Teo um enorme fôlego de respiração e uma familiaridade que é, a um tempo, de forte conotação "universalizante". E interesante será descobrir como em certas fotos se criaram atmosferas mágicas, pela luz e sombras, pelos cinzentos e azuis, mas também pelos contraluzes e os enquadramentos que seguem um estilo intencionalmente experimentais.
De modo que, em Do Tempo e da Luz e no Ruas da minha cidade -Porto,TeoDias faz a sua viagem no tempo ao encontro dos lugares que a retina guardou, -valorizando os contrastes abruptos, as (re)descobertas, as surpresas...
O "portfólio" do Teodósio Dias (dotempoedaluz.blogspot.com) é uma espécie de irmão de outro blogue -ruasdaminhacidade.blogspot.com- também da autoria do Teo. O que fica da visão dessas páginas é mais do que fascinação de um solit(d)ário é uma visão agre e doce impregnada de memória pelas ruas da cidade do Porto, muito amado. É como se a câmara de Teo Dias ou vice-versa tivessem assumido a interessante tarefa de se constituirem numa espécie de vigilantes e/ou zeladores da cidade e de tudo o que ela incorporou e incorpora ainda, apesar dos crimes cometidos diáriamente contra ela.
O Porto tem no olhar de Teo um enorme fôlego de respiração e uma familiaridade que é, a um tempo, de forte conotação "universalizante". E interesante será descobrir como em certas fotos se criaram atmosferas mágicas, pela luz e sombras, pelos cinzentos e azuis, mas também pelos contraluzes e os enquadramentos que seguem um estilo intencionalmente experimentais.
De modo que, em Do Tempo e da Luz e no Ruas da minha cidade -Porto,TeoDias faz a sua viagem no tempo ao encontro dos lugares que a retina guardou, -valorizando os contrastes abruptos, as (re)descobertas, as surpresas...
segunda-feira, julho 24, 2006
pensando no Líbano...
All those who seek to destroy the liberties of a democratic nation ought to know that war
is the surest and shortest means to accomplish it.
Alexis de Tocqueville
domingo, julho 23, 2006
o mais forte
O espectáculo da destruição do Líbano -que está para durar, durar...- continua a merecer honras nas primeiras páginas: os bombardeamentos não arrefecem, o número dos deslocados (à sua sorte) cresce, os estrangeiros são repatriados, os rockets do Hezbollah continuam a cair em Haifa, blindados israelitas entram e saiem de território libanês e Bush deve concerteza estar a saborear um dos seus biscoitos caseiros favoritos e a ler um livro de "pernas-pró-ar"... .
Menos sorte parecem ter os palestinianos que podem neste momento de "distracção" continuar a ser chacinados (à média de 10 por dia) com maior à vontade e prosseguida a destruição infame das suas infraestruturas, como a destruição ontem de um edíficio da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia pela artilharia israelita. Pergunto-me como conseguem os palestinianos suportar tanta iniquidade junta -o sentido de conservação? É pouco, obviamente para explicar tanta capacidade de resistência e martírio. Os palestinianos não têm mais nada a perder a não ser as próprias vidas.Esse é o seu poder.O que é perigoso, muito perigoso, para o Estado Hebraico apesar de toda a sua parafernália bélica.
Menos sorte parecem ter os palestinianos que podem neste momento de "distracção" continuar a ser chacinados (à média de 10 por dia) com maior à vontade e prosseguida a destruição infame das suas infraestruturas, como a destruição ontem de um edíficio da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia pela artilharia israelita. Pergunto-me como conseguem os palestinianos suportar tanta iniquidade junta -o sentido de conservação? É pouco, obviamente para explicar tanta capacidade de resistência e martírio. Os palestinianos não têm mais nada a perder a não ser as próprias vidas.Esse é o seu poder.O que é perigoso, muito perigoso, para o Estado Hebraico apesar de toda a sua parafernália bélica.
cinema & história
(Foto:John Alcott / Barry Lyndon, by Stanley Kubrick,1973)
"(sobre o cinema e a história)É necessário ter presente que reconstituir é reinventar. A reconstituição do espaço, do cenário do passado, faz-se reinventando porque nos encontramos perante um problema de alheamento das formas, que não tenha ligação com o presente (...).
É uma coisa diferente de uma simples reprodução. Trata-se de Lovecraft... .E é exactamente esse o nosso tipo de relação com a história é reconstruir as formas de uma realidade da época, formas que nos aparecem estranhas. Fazer filmes históricos é -muito mais do que no caso da literatura- convocar físicamente as formas do passado".
René Allio
L'Histoire Au Cinema / Positif nº189, Jan.1977
sábado, julho 22, 2006
recordando Orwell
"The ideal set up by the Party was something huge, terrible, and glittering - a world of steel and concrete, of monstrous machines and terrifying weapons - a nation of warriors and fanatics, marching forward in perfect unity, all thinking the same thoughts and shouting the same slogans, perpetually working, fighting, triumphing, persecuting - three hundred million people all with the same face."
George Orwell, Nineteen Eighty-Four
em redor das imagens
(Foto:AP)
O Líbano resiste mas desespera. Condolezza Rice debita num telejornal um típico discurso de assessor para concluir que ainda não chegou a hora de uma força internacional da ONU se isntalar no Líbano porque, diz, ainda há muito a fazer -nem outra coisa seria de esperar, é um desperdicio deixar o trabalho(que ainda agora começou) a meio. Se desligarmos o som o que vemos é Rice de rosto impermeável ao drama de milhares de libaneses parecer estar a opinar sobre os inconvenientes das donas de casa em mudarem de detergente para a roupa ou, na melhor das hipóteses, sobre os custos para o Tesouro americano que representam as toneladas de armamento despejado nas ultimas semanas em Telavive.
Na Dois, passa quase em "pescadinha" o grupo de jornalistas ditos operacionais deslocados para o "teatro de operações": salvo uma única excepção o ar é desportivo, tranquilo e até aparenta estar divertido -nada de dramas, guerra é guerra e, pensam eles, não tarda nada temos de celebrar mais outro score de audiências. Com a morte e a destruição em directos, of course!. O contracampo dá uma ajuda: por detrás do Rodrigo dos Santos pululam luzinhas de casinhas num qualquer bairro de Israel, vê-se movimento rodoviário. Tudo está calmo. A estética segue a preceito a dos primeiros directos feitos de Bagdade pela CNN massificada depois por todas as televisões do globo que é como quem diz, noublesse oblige!.
Mudo de canal. Um libanês, de meia idade, deixa-se apanhar pela câmara no meio de destroços de casas. Quer resistir, tem um ar atónito e ao mesmo tempo extraordinariamente calmo mas obviamente tenso. Mudo outra vez de canal. Na Sic-Noticias surgem imagens que dispensam qualquer contraditório: pontes, autoestradas, tuneis de ligação rodoviária, ruas, casas, hoteis, tudo foi tocado pelas bombas e misseis lançados pelos f16 e pela artilharia hebraica. Mais adiante mostra-se o que resta de um edifício tido como uma fábrica após ter recebido o impacto de cinco misseis. Os militares israelitas podem ter, compreensivelmente, pensado, que a fábrica poderia ser um posto avançado dos terroristas e albergar armamento do Hezbollah e até, quem sabe , uma ou mais baterias dos temíveis foguetes katiuschas, mas não: a fábrica era mesmo uma fábrica a sério sem disfarces que produzia papel...higiénico !.
A par disso, registo como exemplo do pior dos cultos da demência bestial e de desumanidade aquele grupinho de meninas israelitas de ar inocente como é o ar de todas as crianças junto a um blindado de artilharia a escreverem a marcador "mensagens" nas munições agrupadas como se saídas de uma linha de montagem.
Que surpresa reservaram nesse dia, nessa hora, as meninas de Israel aos meninos e meninas libaneses? É o que saberemos com imediata brevidade nos noticiários da manhã.
Desligo o televisor e ponho-me a pensar; a pensar que vivemos num planeta encalhado, com os passageiros e tripulação à beira do naufrágio. Apocalíptico, evidentemente.
O Líbano resiste mas desespera. Condolezza Rice debita num telejornal um típico discurso de assessor para concluir que ainda não chegou a hora de uma força internacional da ONU se isntalar no Líbano porque, diz, ainda há muito a fazer -nem outra coisa seria de esperar, é um desperdicio deixar o trabalho(que ainda agora começou) a meio. Se desligarmos o som o que vemos é Rice de rosto impermeável ao drama de milhares de libaneses parecer estar a opinar sobre os inconvenientes das donas de casa em mudarem de detergente para a roupa ou, na melhor das hipóteses, sobre os custos para o Tesouro americano que representam as toneladas de armamento despejado nas ultimas semanas em Telavive.
Na Dois, passa quase em "pescadinha" o grupo de jornalistas ditos operacionais deslocados para o "teatro de operações": salvo uma única excepção o ar é desportivo, tranquilo e até aparenta estar divertido -nada de dramas, guerra é guerra e, pensam eles, não tarda nada temos de celebrar mais outro score de audiências. Com a morte e a destruição em directos, of course!. O contracampo dá uma ajuda: por detrás do Rodrigo dos Santos pululam luzinhas de casinhas num qualquer bairro de Israel, vê-se movimento rodoviário. Tudo está calmo. A estética segue a preceito a dos primeiros directos feitos de Bagdade pela CNN massificada depois por todas as televisões do globo que é como quem diz, noublesse oblige!.
Mudo de canal. Um libanês, de meia idade, deixa-se apanhar pela câmara no meio de destroços de casas. Quer resistir, tem um ar atónito e ao mesmo tempo extraordinariamente calmo mas obviamente tenso. Mudo outra vez de canal. Na Sic-Noticias surgem imagens que dispensam qualquer contraditório: pontes, autoestradas, tuneis de ligação rodoviária, ruas, casas, hoteis, tudo foi tocado pelas bombas e misseis lançados pelos f16 e pela artilharia hebraica. Mais adiante mostra-se o que resta de um edifício tido como uma fábrica após ter recebido o impacto de cinco misseis. Os militares israelitas podem ter, compreensivelmente, pensado, que a fábrica poderia ser um posto avançado dos terroristas e albergar armamento do Hezbollah e até, quem sabe , uma ou mais baterias dos temíveis foguetes katiuschas, mas não: a fábrica era mesmo uma fábrica a sério sem disfarces que produzia papel...higiénico !.
A par disso, registo como exemplo do pior dos cultos da demência bestial e de desumanidade aquele grupinho de meninas israelitas de ar inocente como é o ar de todas as crianças junto a um blindado de artilharia a escreverem a marcador "mensagens" nas munições agrupadas como se saídas de uma linha de montagem.
Que surpresa reservaram nesse dia, nessa hora, as meninas de Israel aos meninos e meninas libaneses? É o que saberemos com imediata brevidade nos noticiários da manhã.
Desligo o televisor e ponho-me a pensar; a pensar que vivemos num planeta encalhado, com os passageiros e tripulação à beira do naufrágio. Apocalíptico, evidentemente.
sexta-feira, julho 21, 2006
a festa da guerra (3): I hate all this
"He who joyfully marches to music in rank and file has already earned my contempt. He has been given a large brain by mistake, science for him the spinal cord would fully suffice. This disgrace to civilization should be done away with at once. Heroism at command, senseless brutality, deplorable love-of-country stance, how violently I hate all this, how despicable an ignorable war is; I would rather be torn to shreds than be a part of so base an action! It is my conviction that killing under the cloak of war is nothing but an act of murder."
Albert Einstein
quinta-feira, julho 20, 2006
a festa da guerra (1)
(foto:AP/ CBS)
Pouco importa se Israel e os Estados Unidos estão mais uma vez a trabalhar em conjunto para cumprirem , ou tentarem cumprir, a "agenda" política que ficou desenhada a seguir não aos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 -como muito boa gente pensa- mas nas vésperas das eleições norte-americanas que deram a vitória a George W. Bush -"como se esperava", de resto.
Pouco importa também que o modelo engendrado (e a ser implementado) por essas duas nações para a região do Médio Oriente tenha em vista um plano (militar) ousado de"alargamento" (para não dizer, expansionismo) gradual do território actual do Estado de Israel, com uma Palestina transformada em " Nação acantonada" no seio da "Grande Israel" que será então deus e senhor na região.
O que importa verdadeiramente é saber quantos milhares de vidas de civis inocentes (já programados friamente) vão ser necessários para que o sonho sionista avance mais uma casas (como nos jogos...) e seja uma realidade.
Os últimos acontecimentos , -que vão desde a invasão de Gaza, aparentemente em perseguição dos líderes do Hamas e se estenderam num ápice ao Sul do Líbano, dominada pela organização xiita do Hezbollah- têm como pretexto a captura de soldados do exército hebraico mas a utilização desproporcionada de meios militares e a escolha de alvos a a bater mostar como Israel está empenhada em trazer à contenda a Síria e o Irão as duas nações árabes alinhadas num "eixo do mal" (Bush dixit) que representam os maiores empecilhos aos propósitos imperiais de Telavive-Washington desde a tragédia das Twin Towers em New York.
A escalada no Líbano é a prova mais evidente do desespero do governo israelita na solução da questão palestiniana. Bombardear o Norte do país do Cedro, antiga Suiça do Médio Oriente,onde não existem xiitas nem sombra do movimento radical Hezbollah é assumir na prática intenções outras meramente destruitivas da maioria das infra-estruturas básicas do Líbano. Porquê? Israel não desdenharia ter poder (que não teve em 1982) para criar outro Líbano, um Líbano "democratizado" que servisse os intentos sionistas.
Nem os libaneses, nem os palestinianos e muito menos os milhares de israelitas que se opõem cada vez mais a estas festas sangrentas promovidas pelo governo e os militares aceitam de animo leve mais esta manifestação do mal.
Quando agentes os serviços de informação e soldados de forças especiais israelitas trabalham desde a primeira hora no Iraque então tudo é possível!
Seja qual for a evolução da escalada em curso (no Libano, na Palestina) uma coisa temos de ter já em conta: é o prazer da destruição, destruição de bens e de pessoas que estamos assistindo diariamente como quem consome Frize limão ou bebe coca cola com hamburguer. Tudo coisas perfeitamente dignas da civilização (cruel) ocidental.
Pouco importa se Israel e os Estados Unidos estão mais uma vez a trabalhar em conjunto para cumprirem , ou tentarem cumprir, a "agenda" política que ficou desenhada a seguir não aos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 -como muito boa gente pensa- mas nas vésperas das eleições norte-americanas que deram a vitória a George W. Bush -"como se esperava", de resto.
Pouco importa também que o modelo engendrado (e a ser implementado) por essas duas nações para a região do Médio Oriente tenha em vista um plano (militar) ousado de"alargamento" (para não dizer, expansionismo) gradual do território actual do Estado de Israel, com uma Palestina transformada em " Nação acantonada" no seio da "Grande Israel" que será então deus e senhor na região.
O que importa verdadeiramente é saber quantos milhares de vidas de civis inocentes (já programados friamente) vão ser necessários para que o sonho sionista avance mais uma casas (como nos jogos...) e seja uma realidade.
Os últimos acontecimentos , -que vão desde a invasão de Gaza, aparentemente em perseguição dos líderes do Hamas e se estenderam num ápice ao Sul do Líbano, dominada pela organização xiita do Hezbollah- têm como pretexto a captura de soldados do exército hebraico mas a utilização desproporcionada de meios militares e a escolha de alvos a a bater mostar como Israel está empenhada em trazer à contenda a Síria e o Irão as duas nações árabes alinhadas num "eixo do mal" (Bush dixit) que representam os maiores empecilhos aos propósitos imperiais de Telavive-Washington desde a tragédia das Twin Towers em New York.
A escalada no Líbano é a prova mais evidente do desespero do governo israelita na solução da questão palestiniana. Bombardear o Norte do país do Cedro, antiga Suiça do Médio Oriente,onde não existem xiitas nem sombra do movimento radical Hezbollah é assumir na prática intenções outras meramente destruitivas da maioria das infra-estruturas básicas do Líbano. Porquê? Israel não desdenharia ter poder (que não teve em 1982) para criar outro Líbano, um Líbano "democratizado" que servisse os intentos sionistas.
Nem os libaneses, nem os palestinianos e muito menos os milhares de israelitas que se opõem cada vez mais a estas festas sangrentas promovidas pelo governo e os militares aceitam de animo leve mais esta manifestação do mal.
Quando agentes os serviços de informação e soldados de forças especiais israelitas trabalham desde a primeira hora no Iraque então tudo é possível!
Seja qual for a evolução da escalada em curso (no Libano, na Palestina) uma coisa temos de ter já em conta: é o prazer da destruição, destruição de bens e de pessoas que estamos assistindo diariamente como quem consome Frize limão ou bebe coca cola com hamburguer. Tudo coisas perfeitamente dignas da civilização (cruel) ocidental.
quarta-feira, julho 19, 2006
esperança
terça-feira, julho 18, 2006
dizem que morreste
Meu Querido Amigo,
Isto não é fácil de explicar. Andámos estes ultimos dezoito anos a vermo-nos por acaso como se vivessemos os dois em terras distantes, sem tempo para nos aturarmos um ao outro pior, sem vontade de forçar a clausura em que se foi caindo (eu mais do que tu, reconheço-o) à conta da sacana da rotina que cansa-mata, da apatia e da renúncia que se foram instalando laboriosamente apesar da resistência, aqui e acolá. Não era fácil, Miguel, fazer de conta, ignorar (sei lá) que o teu olá estás bom, seguido de, ainda estás a aturar os gajos da FNAT? e, o rematar, não queres ir lá a casa, queria dizer 'bora beber uns copos, partilhar um joint, sonhar-fazer-um-filme, ler páginas do teu próximo livro... Que tinha eu para dar, senão desculpas (algumas sem lógica) para tudo ficar para outro dia? Oportunidade? Disponibilidade? Cansaço? Foda-se! Sempre amámos e sempre tivémos o cérebro com as mesmas imagens!
Isto não é fácil de (me) explicar. Como sabes, sempre fui um pouquinho dessarrumado aqui no lado esquerdo do peito, por razões que conheces , mas nunca me esqueci do amigo-amigo, daquele com quem se partilhou momentos profundos, daquele que esteve a nosso lado nos combates que foi preciso travar, daquele que foi recíproco, leal, afectivo. Nunca esqueci aquele verão de 77 na Ponte de Sôr de projectores de filme às costas a mostrarmos cinema português em dez localidades onde cada sessão nocturna era antecedida de festa á entrada das vilas, lembras-te?; dos miúdos correrem alegres atrás (e ao lado) do velho renault da Junta Central das Casas do Povo, das dezenas de braços no ar a voluntariarem-se para ajudar a carregar as bobines e a máquina, dos comentários, das palmas e dos assobios enquanto a fita corria na tela. Lembro-me duma noite teres aparecido na residencial com a roupa a fumegar e a cheirar a madeira queimada porque tinhas ido ajudar apagar um incêndio próximo do celeiro onde exibias o pai tirano?. Lembro-me bem de nos deliciarmos nas tardes encaloradas com a leitura, lembro-me que foste tu que me ofereceste, no meu aniversário, o cem anos de solidão, em formato bolso da europa-américa comprado no café central e lembro-me que foi por esses dias que a ideia de fazermos a adaptação do refúgio perdido do Soeiro ganhou forma... .
É tanto aquilo que de ti para mim passou que me dói o tempo que não tivemos (não soubémos) para ter ainda tanto mais . Olho a paisagem instalada fora da minha janela e oiço sons, palavras, risos, gestos do que serias.Isto não está a ser fácil. Não, porque desejaria ter-te dito o quanto gostei, -mais do que aquilo que te disse um dia-, do teu Além Maar (que visualizei em filme, como tu havias visualizado também) que me deste o privilégio de ir lendo à medida que o ias escrevendo, anos antes de a Ler te atribuir o prémio e esse facto ter deixado muita (alguma boa...) gente estupefacta e também possessa, coitados.
Isto não é fácil, Miguel. A nossa ultima conversa, no jantar de aniversário do Jorge, ficou a pairar...
E chega, porque ainda não consegui encaixar que morreste. Para mim continuas vivo!
Um forte abraço, Miguel
segunda-feira, julho 17, 2006
de novo Godard
Quelque chose dans le corps et dans la tête s'arc-boute contre la répétition et le néant. La vie, geste plus rapide, um bras qui retombe à contretemps, un pas plus lent, une bouffée d'irregularité, un faux mouvement. Tout ce par quoi dans ce dérisoire carré de résistance contre l'éternité vide qu'est le poste de travail, il y a encore des événements, même minuscules, il y a encore un temps, même monstruosement étiré. Cette maladresse, ce déplacement superflu, cette accélération soudaine, cette main qui s'y reprend à deux fois, cette grimace, ce décrochage, c'est la vie qui s'accroche, tout ce qui en chacun des hommes de la chaine hurle silencieusement: je ne suis une machine.
(diálogos Sauve qui peut (la vie), Godard, 1979)
domingo, julho 16, 2006
para sempre, Marilyn
Por além da beleza, carregada de sensualidade e deslumbramento , o corpo de Marilyn não foi apenas promovido (ia a dizer, explorado...) pela indústria de Hollywood como o "sex symbol" de uma época, foi também -e sobretudo- a imagem da inocência e de uma certa fragilidade que fizeram dela não uma "estrela" qualquer mas a "estrela" tout court, o ícone,
por quem todos nós nos perdemos (deliciados) a vida inteira,
irremediávelmente, a sonharmos tê-la nos nossos (a)braços para todo o sempre.
o peso da imagem
Gostaria, afinal, que a minha imagem imóvel, atormentada entre mil fotos
mutáveis consoante as situações, a idade, coincidisse sempre com o meu "eu"
(profundo,como se sabe); mas é o contrário que é preciso dizer: sou "eu"
que nunca coincido com a minha imagem, porque é a imagem que é pesada,
imóvel, obstinada(aquilo em que a sociedade se apoia), e sou "eu" que sou leve,
dividido, disperso e que, como um ludião, não fico quieto, agitando-me no meu bocal.
Ah, se ao menos a fotografia pudesse dar-me um corpo neutro, anatómico,
um corpo que não significa nada! Infelizmente, sou condenado pela fotografia,
que julga fazer bem ter sempre um semblante: o meu corpo não encontra nunca
o seu grau zero, ninguém, lho dá (talvez só a minha mãe? Porque não é a diferença
que retira o peso da imagem -nada como uma fotografia "objectiva", do género Photomaton, para fazer de nós um assassino, procurado pela polícia -, é o amor, o amor extremo).
Roland Barthes
(in La Chambre Claire (Note sur la photographie), Edições 70)
sábado, julho 15, 2006
Luminosidades(2)
como, por exemplo, utopia. Lembro-me de o tempo não parecer ter a dimensão real , parecer a eternidade, lembro-me de abrires os olhos ao acordar e sorrires um sorriso que nunca mais vi. Lembro-me das noites que não eram noites mas sim anos, muitos anos, e em que nos entregavamos à doçura das palavras que nunca mais diremos. Lembro-me de que não eramos ásperos, amargos ou violentos e de nunca nos termos sentido sufocados. Lembro-me do pão quente na madrugada, das zangas serem passageiras, dos passeios a pé pela cidade teminarem no cacau da ribeira ou na "vigilância revolucionária"; dos passeios de cacilheiro, de fazermos "joints" que fumávamos à socapa da família; lembro-me da noite de fim de ano num dos molhes da caparica, dos concertos do Zeca, do Zé Mário, do Fausto e do Cília, do branco das paredes de Beja, dos fins de tarde em Almoçageme, da praia ser só nossa, de sobrevivermos ao cansaço e ao extase; lembro-me da cerveja fresca manhã fora servir para nos dar força e alento; lembro-me de chorarmos num canto da sala a morte do amigo do peito; lembro-me de trocarmos segredos à mesa do café do bairro, lembro-me das festas na cooperativa do Alentejo, das matinées no Satélite ou no 444 a ver Godard's, lembro-me. De não existir rotina, de haver o hábito (ou a obrigação) de ser criativo (e inventivo), de lermos muito Sartre ("socialismo ou barbárie"), Marx e os clássicos russos, Hemingway, Steinbeck, Jack London, Camus, Kafka...,; lembro-me de gostarmos das fotos de Nadar,André Kertész , Klein e Mapplethorpe, de amarmos loucamente até à insanidade, de fazermos filmes em Super8 a imitar os cineastas da nouvelle vague, de assistirmos às peças dos Bonecreiros e da Comuna, do banho nocturno vestidos na praia de Armação ou do Ferragudo numa noite de outono, de adormecermos a ouvir Pete Seeger, Joplin ou Chico Buarque, e lembro-me de ficarmos deitados na relva a olhar o céu à espera de vermos estrelas candentes; lembro-me de às vezes vaguearmos horas a fio pela serra de sintra em busca do lugar ideal para um piquenique. Lembro-me de nunca termos renunciado nem traído o sonho -nem nos piores momentos- e termos desejado tudo, tudo o que a imaginação nos permitiu. Lembro-me, por exemplo, de nunca nos termos contentado com o infinito. E porque raio nós nos havíamos de contentar com o infinito?
Oeiras, Fevereiro de 97
(dez anos depois da morte de José Afonso)
sexta-feira, julho 14, 2006
sense of security
A new fascism promises security from the terror of crime. All that is required is that we take away the criminals' rights -- which, of course, are our own. Out of our desperation and fear we begin to feel a sense of security from the new totalitarian state."
Gerry Spence Lawyer
( in Give Me Liberty, 1998)
quarta-feira, julho 12, 2006
"o poema mais belo"
O poema mais belo que te posso oferecer
Não te falará da cidade deserta que às vezes desejamos
Nem da ilha isolada que o nosso cansaço de lutar vê como um sonho.
O poema mais belo que te posso oferecer
Será feito das imagens que juntas com a minha
Eu vejo misturadas nos teus olhos
Maria Eugénia Cunhal
(in Silêncio de Vidro, Edição de Autora, Abril 1962)
terça-feira, julho 11, 2006
Dores do Crescimento (4)
"(E) Quando tiver esgotado os anos, ou esquecido a juventude e o amor, com um nó na garganta, quererá tudo refazer...
E não refará senão o nó da sua gravata..."
-de um poema de Jerzy Skolimowski,
cineasta polaco, autor de Deep End
segunda-feira, julho 10, 2006
Luminosidades
(para a rita , a outra parte de mim...)
Mal chegámos a casa, recordo, acendemos pauzinhos de incenso junto à janela. O fumo
erguia-se como ao ralenti em direcção à mancha de sol de fim de dia que se instalara no tecto para ser contemplado até perecer.
Mal chegámos a casa, recordo, acendemos pauzinhos de incenso junto à janela. O fumo
erguia-se como ao ralenti em direcção à mancha de sol de fim de dia que se instalara no tecto para ser contemplado até perecer.
Na cozinha onde reuniamos pratos e talheres num tabuleiro outras manchas de sol -sob os azulejos das paredes na mesa de madeira clara e a meio da porta- criavam um ambiente sugestivamente onírico.
Pus-me a imaginar fadas a planar na sala e gnomos a descerem pelas portas dos armários carregados de tostas , bolachas e saquinhos de chá.
Pus-me a imaginar fadas a planar na sala e gnomos a descerem pelas portas dos armários carregados de tostas , bolachas e saquinhos de chá.
Olho para ti , o corpo perseguido pelos raios solares que tomaram de assalto a cozinha,
e (toda) tu és luz.
e (toda) tu és luz.
Volto à sala e começo a colocar os pratos na mesa com o pôr do sol cada vez mais deslumbrante a demorar-se preguiçosamente na parede branca e também do lado oposto junto à janela da varanda a trespassar as cortinas cor laranja-verde de que tanto gostas.
Nesta casa, a luz que a visita torna muitas coisas em poderosos momentos,
que tu tão bem sabes traduzir em gestos e palavras.
Caminha, Setembro de 2005
Nesta casa, a luz que a visita torna muitas coisas em poderosos momentos,
que tu tão bem sabes traduzir em gestos e palavras.
Caminha, Setembro de 2005
Le Mépris: elogio da cinefilia
domingo, julho 09, 2006
Franco Progresso
Por estes dias, tivémos direito a mais uns exemplares momentos probatórios da nossa querida incapacidade em sermos capazes de actuar com responsabilidade (a que poderia acrescentar-se também,e racionalidade) de sermos enfim capazes de abandonar, de uma vez por todas, o estado de hipocrisia e de maldade em que nos vimos consumindo desde sempre, com a alegria estonteante própria dos embriagados.
Entre o recrudescer do tráfico de influências, dos assaltos a postos de chefia por parte de aprendizes a ditadorzecos (clientelismo, oblige) e o afastamento dos quadros técnicos mais velhos, experimentados e possuidores de um capital de sabedoria , a fuga aos impostos dos mais ricos (não é deles o sistema que os protege?), a precarização do emprego e a novel bíblia (não criticarás!) para se aceder aos milagrosos subsídios do município promulgada por Rui Rio, até ao punhado de decisões de ilustres magistrados (como aquela peregrina ideia de que dar um tabefe numa criança deficiente mental não tem importância ou, mais recentemente, a criminalização das mulheres que praticaram o aborto) , Portugal parece estar a conduzir-se para a sua própria aniquilação como Estado e Sociedade.
De onde vem tanto irracionalismo e tanto absurdo? O caso de Gisberta é paradigmático do mais vil dos cinismos e da mais beata das hipocrisias. Ainda acaba tudo em "bem" com as culpas a serem atiradas ao infeliz transsexual por estar onde não devia e ter uma identidade contrária aos "bons valores morais".Há ainda o apelo ao nacionalismo patusco que finge que se leva a sério, mas não leva a sério coisa nenhuma, trata-se é de folclore circense por conta de mais um mundial de bola.
Aqui faz-se um parágrafo para lembrar que o Senhor Presidente da Região Autónoma da Madeira, o impagável Jardim, ordenou que as autoridades procedessem à retirada de uma bandeira do Brasil porque era maior... do que as portuguesas que a rodeavam.
Graças à comunicação social que nos dá diariamente uma excelente teatralização da realidade que interessa fazer passar, temos sempre direito ao prato forte da guerra , das guerras todas em que vamos vendo como seres humanos se destroem e sobretudo o fazem com requintada crueldade, como ocorre com mais uma incursão israelita em território palestiniano e no Iraque onde o desejado passeio triunfal sonhado por Rumsfeld se tornou num inferno.
Estamos em franco progresso!
Entre o recrudescer do tráfico de influências, dos assaltos a postos de chefia por parte de aprendizes a ditadorzecos (clientelismo, oblige) e o afastamento dos quadros técnicos mais velhos, experimentados e possuidores de um capital de sabedoria , a fuga aos impostos dos mais ricos (não é deles o sistema que os protege?), a precarização do emprego e a novel bíblia (não criticarás!) para se aceder aos milagrosos subsídios do município promulgada por Rui Rio, até ao punhado de decisões de ilustres magistrados (como aquela peregrina ideia de que dar um tabefe numa criança deficiente mental não tem importância ou, mais recentemente, a criminalização das mulheres que praticaram o aborto) , Portugal parece estar a conduzir-se para a sua própria aniquilação como Estado e Sociedade.
De onde vem tanto irracionalismo e tanto absurdo? O caso de Gisberta é paradigmático do mais vil dos cinismos e da mais beata das hipocrisias. Ainda acaba tudo em "bem" com as culpas a serem atiradas ao infeliz transsexual por estar onde não devia e ter uma identidade contrária aos "bons valores morais".Há ainda o apelo ao nacionalismo patusco que finge que se leva a sério, mas não leva a sério coisa nenhuma, trata-se é de folclore circense por conta de mais um mundial de bola.
Aqui faz-se um parágrafo para lembrar que o Senhor Presidente da Região Autónoma da Madeira, o impagável Jardim, ordenou que as autoridades procedessem à retirada de uma bandeira do Brasil porque era maior... do que as portuguesas que a rodeavam.
Graças à comunicação social que nos dá diariamente uma excelente teatralização da realidade que interessa fazer passar, temos sempre direito ao prato forte da guerra , das guerras todas em que vamos vendo como seres humanos se destroem e sobretudo o fazem com requintada crueldade, como ocorre com mais uma incursão israelita em território palestiniano e no Iraque onde o desejado passeio triunfal sonhado por Rumsfeld se tornou num inferno.
Estamos em franco progresso!
sábado, julho 08, 2006
fragmentos
é sábado: passeio na avenida da liberdade a ouvir sons familiares há muito guardados como as imagens das fachadas das casas que desapareceram ou simplesmente mudaram -mudaram não, desapareceram é que é, os vestígios,tudo... quer dizer o tempo - como os telões gigantes publicitários dos filmes no magnífico Condes e no velho Éden (ambos concepção do Cassiano) o burburinho latejante de gente em redor das entradas a acotovelar-se nas filas das bilheteiras, ansiosa pela fita em ecrã largo com o herói preferido a aviar lambadas a torto e a direito para repôr a justiça e finalmente beijar a rapariga bonita ao som da orquestra antes da legenda the end nos devolver à realidade da rua.
Quando era miúdo lembro-me de chegar um dia aos Restauradores num autocarro de dois pisos descer ainda com ele em andamento e atravessar a praça a correr em direcção ao Politeama para aceder ao (meu primeiro) filme do Hawks -The Big Sky!
Passeio na avenida da liberdade não naquela de outros tempos mas nesta de agora, transformada num lugar de passagem, como se fosse uma gare, abandonada, quase vazia de gente e sem encanto, triste e a tresandar a solidão.
pensando em Godard depois de rever Numéro Deux
J'ai toujours été en va-et-vien, et cela dés mon enfance, avec une famille du côté du lac, et une autre de l'autre côté. Je ne suis nulle part, sinon à l'endroit où je trouve les moyens de communiquer. Je ne suis ni la prise de courant, ni la lampe. Je me sens plutôt entre les deux.
A la fois ici et ailleurs. Mais ni ici, ni ailleurs. Ce qui crée des relations difficiles,
aussi bien personelles que professionnelles.
Jean-Luc Godard
Requerimento
Seja por supostos estudos sobre os gostos em voga dos consumidores portugueses, -portanto, razões de (in)conveniência de mercado- seja por qualquer outra razão naturalmente subjectiva, o certo é que o lançamento em dvd dos êxitos da Paramount entre nós vem somando lacunas (algumas imperdoáveis) que não são conformes com o que ocorre na
generalidade dos mercados europeus.
Vem isto a propósito da incompreensível (e continuada) ausência no mercado dvd português de alguns títulos bastante interessantes (mesmo comercialmente falando) saídos dos estúdios da Paramount nos anos 60/70 ou distribuídos internacionalmente por si.
Entre tanto lixo e edições de filmezinhos que ninguém liga não seria de dar a (re)ver de uma vez por todas o provocatório If..., do realizador britânico, não menos provocador, Lindsay Anderson; ou o popularizado Harold and Maude (que muitas lotações esgotou no Apolo 70) , de Hal Ashby. Para mais, qualquer um desses títulos foram, à época, como se sabe estimáveis êxitos de bilheteira.
Património Cultural da Humanidade
integra desde 2003 o programa de arquivo Memória do Mundo da UNESCO.
Há por aí algum distribuidor corajoso disposto a comprar os direitos
e a estrear entre nós (em sala e em dvd) esta jóia da coroa do cinema ?
o universo perfeito
Ha dicho Octavio Paz: Basta que un hombre encadenado cierre sus ojos para que pueda hacer estallar el mundo. Y yo, parafraseando, agrego: basytaría que el párpado blanco de la pantalla pudiera reflejar la luz que le es propria para que hiciera saltar el Universo.
Luís Buñuel
(in Luís Buñuel, de Freddy Buache, Punto Omega/Guadarrama, 1976)
sexta-feira, julho 07, 2006
cintilâncias
Lembro-me, lembro-me perfeitamente de estramos os dois sentados nas rochas a ver o pôr dos sol e tu dizeres, se tivesse de morrer agora seria aqui, e ficares com o olhar preso na linha da água enquanto eu atirava pedrinhas, búzios, carcaças de caranguejos, na direcção das cristas das ondas. Lembro-me, lembro-me perfeitamente do teu vestido de seda ser batido pelo vento...
Praia de Armação de Pêra, Outubro 1981
quinta-feira, julho 06, 2006
Une Femme Marièe
quarta-feira, julho 05, 2006
Dores do Crescimento (3)
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa
(in Não posso adiar o coração, Edições Plátano, 1974)
terça-feira, julho 04, 2006
Princípio da Esperança
imagem de Teodósio Dias
Ernst Bloch definia (literáriamente) aUtopia como um "princípio da esperança".
Para mim a Utopia é isso mais vontade de transformar, vontade de romper com as limitações
e com o medo do risco. Utopia é o combate contra o quotidiano cinzento e amargo.
É transgressão contra os "muros que nos tolhem o pensamento".
"É neste acordo que a beleza existe"
É neste acordo que a beleza existe:
o ver e o poder ver as cousas e os corpos,
no acordo entre eles serem e os desejarmos
como se fossem o que nós queremos
ser como nós mesmos. Neste acordo que
dá senso de beleza ao que de imaginar
fica evocado na memória esquiva
para ser visto noutras coisas. Vozes
se agitam torvas latejando o sexo
que dorme oculto dentro dos olhares,
Jorge de Sena
(in Visão Perpétua, Moraes/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982)
segunda-feira, julho 03, 2006
no chiado à tardinha
(Camões, de Abel Manta)
Vagueio pelo chiado ao sábado pela tardinha e simpatizo com o ar de desdém e altivez do sem-abrigo que espera na escadaria da igreja o milagre (sem pedir) de uma moeda.
À porta da Bertrand um grupo de adolescentes com as cabeças cheias de telenovela esgrimem argumentos entre si sobre quem é o "melhor no engate" e nos jogos da playstation.
Mais abaixo, duas mulheres balzaquianas(!) amolecem a ansiedade devorando um gelado enquanto olham em aparente indiferença a montra de um pronto-a-vestir.
Cruzo-me com um grupo numeroso de italianos ruidosos que sobem a Garret de câmaras fotográficas na mão ou a tiracolo.
Vagueio com a sensação de estar a arquivar imagens e de não me importar de serem repetidas, sempre repetidas, na eternidade do quotidiano.
domingo, julho 02, 2006
sábado, julho 01, 2006
The Grapes of Wrath
O mais arrebatador dos "dramas sociais" -baseado num romance célebre de John Steinbeck (Livros do Brasil)- que é visto também como uma experiência extrema na obra de John Ford, surgiu há semanas (sem pompa e circunstância da comunicação social) numa edição em dvd por obra e graça da Castello Lopes Multimédia. Proibido durante o fascismo, exibido na RTP em 1980 (curiosamente, duranrte a vigência de um governo da AD...) "As Vinhas da Ira" tornou-se um "ícone" para a generalidade da esquerda europeia que viu nele um cúmulo de eficácia ideológica nada desprezível. Sublimes interpretações de Henry Fonda, Jane Darwell e John Carradine
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