já desaparecidos
O Ernesto Sampaio (que conheci num dia longínquo de 1976...), jornalista, encenador teatral, foi sobretudo um dos grandes teóricos do surrealismo. Homem de cultura vastíssima o Ernesto foi um pensador exímio com uma capacidade de análise invulgar. O texto (extractos) que abaixo se segue , escrito no alvorecer do cavaquismo, põe a nú com grande lucidez o "futuro" que aí vinha ...e que estamos vivendo exactamente como ele o previu.
Um grande abraço, Ernesto!
Uma sociedade sem conflitos só pode ser uma sociedade totalitária, e já não restam dúvidas de que a utopia capitalista abre caminho a uma implacável ditadura: a do mercado. O que está em jogo é o fim de um período do capitalismo ligado de certo modo à emergência de uma sociedade pluralista. A gigantesca redistribuição dos mercados mundiais que hoje se entregam os colossos do capital financeiro, a concentração em poucas mãos de qauntidades de dinheiro astronómicas, significam o dobre de finados do pluralismo sob todas as suas formas.
Entretanto , instituições e aparelhos ideológicos (privados ou do Estado) funcionam essencialmente como máquinas de embrutecer, o ensino é medíocre e não tem qualquer finalidade humanista, a cretinice é a norma dos programas de rádio e televisão, a imprensa pratica sistemaáticamente o elctrochoque afectivo (dramatizaçãoi de acontecimentos ínfimos para ocultar os que são realmente importantes), o obscurantismo, sob todas as suas formas, está na ordem do dia, os conceitos mais vis e reaccionários beneficiam de uma publicidade espaventosa, os poderes montam disposistivos sofisticados para privar os cidadãos de qualquer hipótese de reflexão e acção.
Impotente perante este sistema (a que se submete cegamente) , o cidadão nunca se interroga sobre o que deve fazer (tem, aliás, a sensação de que não pode fazer nada), limitando-se a pensar co inquietação no que lhe virá a acontecer.
Viver atolado na merda até ao pescoço não o preocupa demasiado, quando outras ameaças mais concretas se perfilam no horizonte, como perder o emprego, por exemplo. Sem nenhuma influência influência no destino da colectividade nem no seu destino próprio, o individuo vê-se reduzido a esperar que a sorte lhe sorria, isto é, que não lhe batam muito... .
Ernesto Sampaio
in Diário de Lisboa 19 Junho 1987
in Diário de Lisboa 19 Junho 1987
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