já gasto...Aproximo-me, observo aquela cor
de um outro tempo que o rosto quente e oval
da heroína exibe, a palidez heróica do pobre, opaca, manifesta.
De súbito,entro! Sacudido por um clamor interior
decidido a estremecer a cada recordação,
a consumar a glória do meu gesto.
Entro na arena, para o último espectáculo,
sem vida, personagens cinzentas,
parentes, amigos, dispersos pelos bancos,
perdidos na sombra, em círculos distintos
e esbranquiçados, no fresco receptáculo...
Subitamente, os primeiros enquadramentos.
Transtorna-me e arrebata-me..."l'intermitence du coeur"
Encontro-me no escuro caminho da memória, nas misteriosas
câmaras onde o homem é fisicamente outro,
e o passado o banha com o seu pranto.
Contudo, tornado hábil pelo longo exercício,
não perco os fios: eis a Casilina,
sobre quem tristemente se abrem
as portas da cidade de Rosselini...
Eis a épica paisagem neorealista,
com os fios do telégrafo, as calçadas, os pinheiros,
os murozinhos descarnados, a mística
multidão, perdida nos afazeres quotidianos,
as tenebrosas formas de dominação nazi...
Quase emblemático já, o grito de Magnani,
sob as madeixas desordenadamente absolutas,
ressoa pelas desesperadas panorâmicas,
e nos seus olhares vivos e mudos
se adensa o sentido da tragédia.
É ali que dissolve e se mutila
o presente, e atroa o canto dos aedos
Pier Paolo Pasolini
(in O Bosque Sagrado, Gota de Água, 1986)
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