Evidenciando grande economia e fluidez narrativas, Um Amor de Perdição, parece ser o sinal inequívoco da entrada plena na maturidade de Mário Barroso, que a obra anterior (a primeira, por sinal bastante interessante), O Milagre Segundo Salomé (2004), já anunciava.
Ao inspirar-se no clássico romance popular português, Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, -que, recorde-se, fora por três vezes adaptada ao cinema, inicialmente em 1921 por Georges Pallu, vinte e dois anos depois por António Lopes Ribeiro e quatro anos após Abril de 1974, pela mão de Manoel de Oliveira, que é a versão (mais longa) considerada de enorme rigor estilístico - Barroso propõe convocar o espectador para uma outra visão dimensional da tragédia do par célebre de jovens românticos (Simão Botelho e Teresa Albuquerque) enamorados, “imortalizados” por Camilo: sem reconstituições de época, sem referências históricas e ambientais, sem a carga mítica dos amores contrariados, sem o espartilho dos diálogos literários.
Isto quer dizer que Mário Barroso prefere uma abordagem moderna aparentemente despretensiosa (e sóbria), em que a acção se situe numa Lisboa actual com protagonistas idênticos aos jovens adolescentes de hoje com boa posição social iguais a outros que vemos diariamente nas ruas, nas escolas, a circularem de moto ou em automóveis, a conversarem à beira rio ou em desacatos violentos em bares e discotecas. Confessadamente, o que conta para Barroso é, passe o uso de certos clichés, o retrato de obstinação juvenil num universo de oposição e rebeldia destrutiva que conduz á auto-destruição de um herói, solitário e narcisista, intransigente e suicidário. Quanto a aparente afinidades com a suposta versão pós-moderna de Romeu e Julieta, de Baz Lhurmaan, o filme de Barroso, que está a milhões de anos luz fica-se, e bem, por uma nostálgica referência shakespeariana assaz divertida à volta de beijos de dois adolescentes passada numa aula de dramatização.
No seu propósito inovador, Mário Barroso -que é, também, um notável director de fotografia de méritos firmados internacionalmente- trata o “seu” amor de perdição como uma doença incurável em crescendo sem, no entanto, prescindir aqui e ali de um tom irónico a que não falta alguns momentos estimulantes de sensualidade e compaixão.
E, pesem alguma convencionalidade da representação, o elenco é globalmente impecável e a câmara (digital) de Mário Barroso compõe eficazmente, como sempre, sugestivas atmosferas.
Um Amor de Perdição
de Mário Barroso (Portugal, 2008 1h21 min.)
Com Tomás Alves, Patrícia Franco, Willion Brandão, Catarina Wallenstein, Ana Padrão, Rui Morrison, Virgílio Castelo, Ana Moreira, Paulo Pirtes, Dinarte Branco, etc.
(data de estreia em Lisboa: 23 de Abril )
publicado em Tempo Livre, Abril 2009