sábado, setembro 30, 2006

nos tempos que correm

Evidenciar capacidades, ser sensível, apaixonar-se pelo que se faz, manter sempre uma certa combatividade, desempenhar com rigor e exigência, actuar sempre com sentido de dever público, agir com independência (para ser justo) - eís alguns dos atributos de eleição que, nos tempos que correm, podem trazer aborrecimentos aos seus seguidores .

sexta-feira, setembro 29, 2006

revisita a billy wilder

"Monstro sagrado" entre os "monstros sagrados" da velha Hollywood, como Garbo, Dietrich, Swanson ou Pola Negri. Fédora é a actriz feita mito. Que idade terá? Provavelmente sessenta, provavelmente setenta. As opiniões divergem. De facto ela terá a idade que teve nos seus filmes. Ela não existe ao passo que a sua imagem existe. Ela é, pura e simplesmente, a representação, incarnação de uma das fases de ouro da história do cinema.
Um dia, Ela começou a rodar um filme inacabado (como Marylin) e, depois, retirou-se prematuramente para Corfou, ilha das ilhas desertas que nos habitam a memória. Ela recebeu cartas de amor de John Barrymore, Hemingway, Pablo Picasso, Maurice Chevalier, Winston Churchill ou Rachmaninoff. Quando Ela morreu, as mensagens de condolências vieram de todo o mundo (como com Marylin).

Espécie de súmula das grandes preocupações que dominaram Billy Wilder na sua carreira (brilhante) de autor, Fédora é um enorme grito (por vezes lancinante) de amor ao cinema. Revi-o esta noite e continuo a considerá-lo um dos mais hábeis, inventivos e brilhantes filmes de Wilder.

quinta-feira, setembro 28, 2006

a odisseia de madonna

Os fanáticos ( e hipócritas) religiosos que não perdoam a Madonna a ousadia coreográfica da crucificação (como suporte à emblemática canção, "Live to Tell") levada á cena no show da sua última tournée, "Confessions tour Madonna", são os mesmos que silenciam, no quotidiano,
o drama de pobreza e fome vividos pelas populações de África, designadamente no Malawi,
onde a singular cantora desenvolve um projecto meritório de combate à miséria extrema.
Jesus, que foi crucificado e morto pelos pecados do homem, se voltasse á terra estaria como profeta revolucionário a defender os oprimidos do mundo inteiro. Ao lado de Madonna, of course!. JD

terça-feira, setembro 26, 2006

palavras de antónio reis, cineasta esquecido


Na cidade onde envelheço
não há brisa
há vento
A brisa é para o amor
e para os cabelos
Na cidade onde envelheço
a roupa tem de secar
durante a noite
os operários levantam-se cedo
e o seu amor é simples
e no trabalho.
António Reis, poeta e realizador

segunda-feira, setembro 25, 2006

palavras de fernando pessoa


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Fernando Pessoa

domingo, setembro 24, 2006

a razão do predador

Jaws, de Steven Spielberg -1975
A semana política fica marcada pela torrente espaventosa de um grupo de convivas (na maioria gestores, simpatizantes dos neo-conservadores americanos) que deram a conhecer ao país propostas jubilosas para a salvação definitiva. Uma das ideias defendidas consistia no despedimento de mais de duzentos mil funcionários como condição sine quanon para se alcançar o"paraíso".Muitos dos senhores respeitáveis que se lançaram no convívio "Compromisso por Portugal" não encontraram disfarce eficaz para mascarar o apetite voraz que lhes vai na alma pelos fundos da segurança social e pelas empresas lucrativas (que restam) do Estado: para repetirem os negócios do passado?
Mas o mais interessante foi o encontro ter servido também para elevar o tom das intrigas. Calorosas e descontraídas, como sempre.

sábado, setembro 23, 2006

revisitar salò o le centoventi giornati di sodoma

Sou como um gato queimado vivo
Esmagado pelo pneu de um camião
Pendurado pelos miúdos numa figueira
Mas ainda, pelo menos, com seis
das suas sete vidas...
A morte não é
Não poder comunicar
Mas já não poder ser compreendido

Pier Paolo Pasolini, últimos escritos

sexta-feira, setembro 22, 2006

nostalgia

Meu amor,
vamos
ao cinema de bairro
A noite transparente
gira
como um moinho
silencioso, elaborando
estrelas.
Tu e eu entramos no cinema
do bairro, cheio de meninos
e aroma de maçãs.
São as antigas fitas
os sonhos já gastos,
na pantalha.
da cor das pedras
ou das chuvas.A bela prisioneira
do vilão
tem olhos de lagoa
e voz de cisne.
Correm
os mais vertiginosos
cavalos
da terra.
Os vaqueiros
perfuram
com os seus tiros
a perigosa lua
do Arizona.
Com a alma
num fio
atravessamos
estes ciclones de violência, a formidável luta
dos espadachins na torre, certeiros como vespas
a avalanche emplumada
dos índios
abrindo um leque na pradaria.
Muitos dos rapazes do
bairro
adormeceram,
fatigados do dia na farmácia,
cansados de esfregar cozinhas.
Nós
não, meu amor.
Tão pouco vamos perder
estes sonhos:
enquanto
estivermos vivos
faremos nossa
toda
a vida verdadeira.
Os sonhos também:
todos
os sonhos
sonharemos.

Pablo Neruda
(in O Bosque Sagrado, Gota de Água, 1986)

quinta-feira, setembro 21, 2006

a imobilidade do tempo segundo resnais

L'Année dernière à Marienbad, Alan Resnais - 1961
Foi com L'année dernière à Marienbad que se deu a minha descoberta de Alain Resnais. No momento (estavamos em finais da década de 70...e havia um lugar mágico de nome, cinema do Palácio Foz, um milagre para a época!) o filme operou em mim efeitos milagrosos, não apenas pela estética ou pela exarcebação naturalista ou pelo movimento quase coreográfico, não.
O que retenho ainda hoje, ( visto e sentido como o lado mais poderoso em Marienbad) é a sensação de uma misteriosa imobilidade do tempo. O tempo absolutamente parado num sumptuoso e inesquecível hotel rodeado de jardins imensos.
Obra onírica sobre o amor (ou da impossibilidade de a ele aceder?) o filme mais polemizado de Resnais é também uma incursão pelo território da (in)comunicabilidade e do vazio (existencial da burguesia?) e é-o ainda mais certeiro sobre a inacessibilidade do objecto do desejo amoroso.
Se calhar Barthes poderia ser convocado para aqui!
JD

quarta-feira, setembro 20, 2006

à espera da justiça

"Tudo o que seja corrupção,
falta de isenção, falta de ética,
deve ser punido severamente..."

Juiz Fernando Pinto Monteiro,
- futuro Procurador-Geral da República.

O tema de destaque da edição de hoje do matutino Público foi, como não podia deixar de sê-lo, o sucessor de Souto Moura na Procuradoria-Geral da República -Fernando Pinto Monteiro, juiz de mérito, cuja competência e independência lhe são amplamente reconhecidas.
Tendo sido um dos principais dinamizadores do Movimento Justiça e Democracia, "visto como um sector menos corporativo e mais aberto da magistratura, assumidamente anti-sistema", não podem restar dúvidas de que tem a vontade férrea indispensável para (fazer) cumprir a mudança na Justiça que a sociedade justificadamente anseia, travando a onda de impunidade e imunidade grosseiras que se têm instalado e que vêm minando e pervertendo o sitema democrático português.
Na qualidade de vulgar cidadão da República, trabalhador dependente, com reconhecida competência e actividade cultural valorizada nacional e internacionalmente, cumpridor dos deveres e exigente na defesa das liberdades, direitos e garantias (ousadia que pago caro desde há anos num processo kafkiano...), desejo-lhe sinceramente as maiores felicidades e espero que seja um vencedor antecipado dos duros e muitos combates que o esperam.
Que nos esperam, a todos.

"l'intermitence du coeur"

Que golpe no coração, perante aquele cartaz
já gasto...Aproximo-me, observo aquela cor
de um outro tempo que o rosto quente e oval
da heroína exibe, a palidez heróica do pobre, opaca, manifesta.
De súbito,entro! Sacudido por um clamor interior
decidido a estremecer a cada recordação,
a consumar a glória do meu gesto.
Entro na arena, para o último espectáculo,
sem vida, personagens cinzentas,
parentes, amigos, dispersos pelos bancos,
perdidos na sombra, em círculos distintos
e esbranquiçados, no fresco receptáculo...
Subitamente, os primeiros enquadramentos.
Transtorna-me e arrebata-me..."l'intermitence du coeur"
Encontro-me no escuro caminho da memória, nas misteriosas
câmaras onde o homem é fisicamente outro,
e o passado o banha com o seu pranto.
Contudo, tornado hábil pelo longo exercício,
não perco os fios: eis a Casilina,
sobre quem tristemente se abrem
as portas da cidade de Rosselini...
Eis a épica paisagem neorealista,
com os fios do telégrafo, as calçadas, os pinheiros,
os murozinhos descarnados, a mística
multidão, perdida nos afazeres quotidianos,
as tenebrosas formas de dominação nazi...
Quase emblemático já, o grito de Magnani,
sob as madeixas desordenadamente absolutas,
ressoa pelas desesperadas panorâmicas,
e nos seus olhares vivos e mudos
se adensa o sentido da tragédia.
É ali que dissolve e se mutila
o presente, e atroa o canto dos aedos

Pier Paolo Pasolini
(in O Bosque Sagrado, Gota de Água, 1986)

terça-feira, setembro 19, 2006

por um punhado de terra

O terrorismo de Estado praticado por Israel tem como factor de legitimidade o poder colonial exercido segundo os velhos ensinamentos do apartheid sul-africano e rodesiano. O estado de demência que se instalou nos gabinetes de decisão politico-militar israelense não é de molde a prever um futuro com menos barbárie e mais senso comum e lucidez política.
Israel não pode desejar conservar-se como Estado (de direito e com direitos inquestionáveis) se persistir em recusar aos palestinianos o direito a terem a sua própria pátria.
O número inquietante dos jovens e crianças que pereceram desde Julho nas ruas e nas casas de Gaza e da Cisjordânea -como hoje se refere na edição de The Independent- continuam a ser a pior prova de que Israel perfilha, aparentemente , os velhos expedientes dos terroristas nazis que durante anos exercitaram com comprovada eficácia as suas técnicas de extermínio selectivo da comunidade judaica europeia. Quem não se lembra do gueto de Varsóvia?
É a questão da terra e da sua posse que continua a ditar o destino e a comprometer o futuro de paz no Médio Oriente.O resto é retórica e verbalismo de pacotilha para continuar a enganar tolinhos.

Quando os soldados do IDF assaltam edifícios da Autoridade Palestiniana e destroem os discos rigídos dos computadores e desfazem à coronhada os monitores isso tem um nome e um propósito muito claros.
O direito à existência do Estado de Israel não é, concerteza, garantido através da continuada destruição dos territórios palestinianos com vista a impedir, por todos os meios, a criação, de facto, de um Estado Palestiniano autónomo, -como, de resto, o entenderam Clinton, Arafat e Rabbin.


JD

segunda-feira, setembro 18, 2006

cumplicidade


o cinema é cruel
como um milagre. Nós
sentamo-nos na sala
às escuras, pedindo só
ao espaço branco
e vazio que se mantenha puro
Frank O'Hara
(in O Bosque Sagrado, Gota de Água,1986)

domingo, setembro 17, 2006

saudades da casa

foto-cá-de-casa

sonhei a noite passada com a casa onde reaprendemos ternuras e encantos.

sonhei com o cheiro a café pela manhã vindo da cozinha, ao mesmo tempo que senti o odor doce dos croissants quentes que tu foste comprar à loja habitual, por serem os melhores.

sonhei com o odor a água do mar que ficou para sempre nas cortinas verde-laranja das janelas.

sonhei com os belos momentos passados á noite na varanda à espera de ver surgir um tapete voador, muito cinematográfico(!), que nos levaria à aventura.

sonhei com os passeios nocturnos pelas ruas estreitas quase silenciosas e sonhei, ainda, com as pessoas respeitosas daí que resistem e não se deixam contaminar...

JD

sábado, setembro 16, 2006

trabalho de casa(4)

Psycho, de Alfred Hitchcock - 1960
Ontem à noite, revisitação -pela enésima vez- de Psycho. O discurso hitchcockiano sobre as oscilações dos sentimentos de culpa é de uma actualidade extrema. Ao rever a (notável) sequência de assassinato no chuveiro -que permanece fascinante a meus olhos- dei por mim a pensar na capacidade de imaginação (e inspiração) e no inigualável rigor estilístico do cineasta, que permanecem poderosas quarenta e cinco anos depois. Se isto não é arte, meus amigos, então... .
Gosto de remexer as gavetas da minha secretária mesmo (ou sobretudo) à revelia de uma qualquer razão ou necessidade, como foi o caso de ontem à noite. Dei por mim a fazer o reconhecimento de velhos programas de cinema (do Condes, do Tivoli, do S.Jorge!), a reabrir cartas e postais dos amigos, a redescobrir fotografias de antes da revolução com mais de trinta anos ainda não amarelecidas , a rever-me, corpo e olhar juvenil, em foto de uma manifestação em 1974, de bolex paillard na mão, ao lado do Roy(Rosado) e do Pedro Macedo, ou do sorriso feliz da Isabel Paiva estampado numa "9x12" que o Duarte Medina registou na varanda da casa num longínquo dia de outono. Penso: fotos com os amigos guardadas na gaveta de cima -sempre à mão, sempre todos presentes, na memória e ao alcance da mão.Olho para uma foto de grupo (Ricardo, Rui, Tó,Isabel, Gina, Duarte,Sónia(!) e eu com um sorriso trocista nos lábios) tirada na praia da adraga e o que sinto é uma incontida exacerbação da felicidade desses anos.
Impossível não virem à memória, um a um, os dias brilhantes e limpos que passámos juntos.
JD


sexta-feira, setembro 15, 2006

saudades do eduardo

Algumas palavras são mais que o som.
Soltam-se delas lâmpadas, por vezes gritos.
Palavras que demoram na boca com o sabor da manhã
de Outubro, o claro gosto da terra húmida,
castanha até doer...

Eduardo Guerra Carneiro
( in Zero, O Perfil da Estatua, 1961)

quinta-feira, setembro 14, 2006

abuso de poder

Augusto M. Seabra, na edição de hoje do Público, a propósito dos cinco anos decorridos do 11/09/01:
O Iraque, Abu Ghraib, Guantánamo não são "erros". Foram e são as consequências de um abuso de poder e de um desrespeito pelas regras básicas da democracia. O carácter imperioso da luta contra centros dirigentes do terrorismo foi desviado para uma grosseira mistificação, de que os resultados estão à vista: guerra civil, novos núcleos terroristas, ameaça de partilha e -cruel ironia- alastramento da zona de influência iraniana.

Retenho a constatação, "consequência de um abuso de poder" por uma razão simples: os actos do agressor acabam sempre por redundar numa derrota humilhante. Não há impunidade (nem imunidade) que dure. Eterno só a própria eternidade.

quarta-feira, setembro 13, 2006

"paraíso" infernal


Um dos muitos méritos desta obra de Michel Chossudovsky reside em recusar-se a alinhar nas teses,cínicas e hipócritas, que veêm nas actuais políticas económico-financeiras a única via para a resolução da crise do capitalismo. Contundente e, por vezes, bastante demolidor, Chossudovsky vai desmontando peça a peça o puzzle da chamada nova ordem mundial, mostrando-nos as consequências devastadoras (sobretudo para o chamado Estado Social) do que está acontecendo já de grave e muito grave e do que o futuro breve (pobreza) nos reserva.
Um livro obrigatório a ter sempre à mão.

terça-feira, setembro 12, 2006

ouvindo carly simon

Carly Simon: You belong to me
Um whisky
com duas pedras
de gelo
servem, sempre,
para criar o impossivel
Lisboa, Entrecampos, 9 Dezembro 1978

pensando em breton

André Breton em 1950
O general girou 180 graus e caiu, redondo,
sem um ruído ou um zumbido qualquer:
afinal, a consciência não lhe pesava
Lisboa, Entrecampos, Junho 1980

segunda-feira, setembro 11, 2006

cinco anos depois - in memoriam

tributo às cerca de 3.000 vitimas dos atentados ás twin towers; tributo às centenas de bombeiros, policias e voluntários nova-iorquinos vitimados pelo síndrome de WTC (à espera da morte); tributo aos milhares de civis afegãos que pereceram nos bombardeamentos norte-americanos antes e depopis da tomada de Cabul ; tributo aos mais de 250.000 iraquianos mortos desde a invasão do país e aos milhares de feridos e vitimas de tortura e sodomia (jovens particularmente) nas prisões da "nova ordem", em especial em Abu-Ghraib; tributo às centenas de palestinianos assassinados em acções "preventivas" do exército de Israel; tributo às centenas de vitimas dos atentados bombistas de Madrid e Londres; tributo aos civis israelitas vitimas de actos suicídas; tributo aos cerca de 2.000 civis libaneses chacinados pelos raids da aviação e artilharia hebraica; tributo às dezenas de jornalistas mortos em zonas de guerra; tributo às dezenas de civis massacrados em atentados na Ásia; tributo às familias iraquianas abatidas à queima roupa dentro das suas casas por soldados norte-americanos; tributo aos prisioneiros suspeitos de Guantanamo; tributo aos desertores dos exércitos ocupantes... .
Honra a todos aqueles que diáriamente em todo o mundo protestam contra a demência e a barbárie da guerra e se opõem firmemente ao (re)nascimento do totalitarismo.

palavras de salvador allende

En estos momentos pasan los aviones. Es posible que nos acribillen. Pero que sepan que aquí estamos, por lo menos con nuestro ejemplo, que en este país hay hombres que saben cumplir con la obligación que tienen. Yo lo haré por mandato del pueblo y por mandato conciente de un Presidente que tiene la dignidad del cargo entregado por su pueblo en elecciones libres y democráticas.

En nombre de los más sagrados intereses del pueblo, en nombre de la Patria, los llamo a ustedes para decirles que tengan fe. La historia no se detiene ni con la represión ni con el crimen. Esta es una etapa que será superada. Este es un momento duro y difícil: es posible que nos aplasten. Pero el mañana será del pueblo, será de los trabajadores. La humanidad avanza para la conquista de una vida mejor.

Pagaré con mi vida la defensa de los principios que son caros a esta Patria. Caerá un baldón sobre aquellos que han vulnerado sus compromisos, faltando a su palabra... roto la doctrina de las Fuerzas Armadas.
El pueblo debe estar alerta y vigilante. No debe dejarse provocar, ni debe dejarse masacrar, pero también debe defender sus conquistas. Debe defender el derecho a construir con su esfuerzo una vida digna y mejor.

Seguramente, ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las antenas de Radio Magallanes. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas un castigo moral para quienes han traicionado su juramento: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡No voy a renunciar!
Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad al pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeño su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reaccióncrearon el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, victimas del mismo sector social que hoy estará esperando con mano ajena, reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo a ustedes, sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios clasistas que defendieron también las ventajas de una sociedad capitalista.

Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder.
Estaban comprometidos. La historia los juzgará.

Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.

Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

(Mensaje del Presidente de Chile Salvador Allende a los ciudadanos transmitido por Radio Magallanes a las 9,03 de la mañana, 11 de septiembre de 1973)

domingo, setembro 10, 2006

dores de crescimento (5)

Lembras-te?
do ruído do primeiro autocarro da manhã
do longo beijo nos cabelos,
do último cigarro fumado a dois,
da faixa riscada em satisfaction,
da viagem fácil frente à janela,
dos teus braços à volta do meu pescoço,
do teu ar ausente frente à vidraça da janela

Lembras-te,
de estarmos juntos frente ao espelho?

o que foi talvez uma forma de lhe tomar o pulso, ao nosso amor,
antes dele morrer,
definitivamente

Lisboa, 7 Setembro 1979

quinta-feira, setembro 07, 2006

palavras de ruy belo


Habito na morada do castigo, madura como a areia ou o verão no mar. Eu caminhei nos passos solitários. O sol neste lugar é uma ofensa. Nós nunca cultivámos a amizade num mar mesmo maléfico e maravilhoso. No triunfo da verdura, como um grito nas vozes, às vezes tristes, alegres às vezes, meu destino de morte é esquecimento eterno. Essas flores ardentes do verão ocultas, ou nas gretas ou esconderijos, palavras inventadas e selvagens, para mim, irmão, não só do sol como da lua, são para mim, já hoje, um ser de lenda, ó minha mãe, fantástica pessoa. À casa sempre o viajante há-de voltar, muito apesar da proibição eterna dos amigos da laranjeira plantada pela lua, olhar límpido aceso da alegria colar, solar que cerca a minha aldeia, pois os mortos não têm já família. Fantásticas crianças estivais, eu salvaguardo a solidão do nome, o sacrifício, perversão humana, o coração cristão da crua idade, a respiração loquaz dos vegetais, o vento do outono sobre o mar, o severo momento do crepúsculo, poder inacessível a palavras, ao dia pleno, a perfeição da vida, esse reduto último do mar. Os juízos da morte são inexoráveis nos começos da alta primavera, com a flecha dos dias desferida e a impunidade ausente, à lua. Fantásticos silêncios de verão, grande estuário para um rio em calma, aves marinhas longe em seu descanso, rosa que imita a primitiva rosa, ou pérola que segue a primitiva pérola, a excessiva operação do verão, tudo é demasiado para mim.Frescura das manhãs junto dos cais, ó simples criaturas migratórias, ó pequenas estrelas de dezembro. Silêncio tudo e todos: fala-se de mim.
Ruy Belo

segunda-feira, setembro 04, 2006

o correr do tempo

1.Se fosse vivo, o poeta e neo-realista, Raul de Carvalho completaria hoje 86 anos. Passou os seus últimos anos de vida mergulhado na doença (que lhe havia de cortar a vida) , na solidão, magoado pelos (des)afectos e quase esquecido, votado ao quase ostracismo. Conheci-o numa tarde de sábado de verão num café prós lados do Saldanha onde morava. Como agradecimento da atenção que eu lhe dispensara nos breves minutos de conversa (também pela empatia que visivelmente lhe encuti) enquanto tomava um café ofereceu-me um poema escrito numa folha a5 dobrada ao meio. Nunca mais nos vimos. Cerca de um ano depois li no DL a noticia da sua morte.
Belíssimo e tocante é o seu poema,"Serenidade És Minha", dedicado à memória de Fernando Pessoa, de que se reproduz no parágrafo seguinte um breve extracto.
Vem serenidade, /e lembra-te de nós, /que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio, / um sítio aonde a morte tem todos os direitos. / Lembra-te da miséria dourada dos meus versos, / desta roupa de imagens que me cobre corpo silencioso, / das noites que passei perseguindo uma estrela, / do hálito, da fome, da doença, do crime, / com que dou vida e morte a mim próprio e aos outros.
Vem serenidade, / e acaba com o vício de plantar roseiras no duro chão dos dias,/ vício de beber água com o copo do vinho milagroso do sangue. /
/Vem, serenidade, / não apagues ainda a lâmpada que forra os cantos do meu quarto, / papel com que embrulho meus rios de aventura em que vai navegando o futuro. ..

2.No dia 4 de Setembro de 1976, -faz trinta anos- que o futuro 43º Presidente dos EUA, George W.(alker) Bush foi detido e multado por conduzir "sob influência do álcool", segundo se refere na Wikipédia.
JD

domingo, setembro 03, 2006

Minnelli amputado ou, a ditadura do fullscreen

Não se discute o propósito -que teve,aliás, todo o mérito- da exibição, sábado passado, no canal dois da RTP de um dos grandes filmes de Vincent Minnelli, Some Came Running / Deus Sabe Quanto Amei. O que se discute é o facto, em si ofensivo, de ter sido apresentada uma cópia que não respeitou (exceptuando na abertura e no final) o formato original, em Scope.
Dir-se-á que a cópia vídeo era a disponível, por conveniências de contratação ou por uma outra razão qualquer, mesmo a mais absurda (os hábitos e os gostos do público) que por vezes ocorre a um funcionário mais expedito, pouco importa. Mas não: nada pode justificar mais este atentado a uma obra de arte cinematográfica com a importância de Some Came Running em que o emprego do CinemaScope não pode ser dissociável do resto. E o resto é também a coreografia das movimentações e o tratamento dos espaços.
Para além da sua estilística, que não é de todo irrelevante, o filme de Minnelli ressente-se óbviamente do acto de afunilamento que é o da "reconstrução" dos planos, mercê da técnica do "pan scan", e do que daí resulta em termos de amputação grosseira -com a eliminação de 20 a 44% de imagem integral- da versão original de cinema.
Em vez de prestar um bom serviço, a RTP caiu na tentação de impor a ditadura do fullscreen e esteve-se marimbando para os efeitos predadores que a exibição dessa cópia necessariamente acarretou. Não se vislumbra assim onde é que residiu o respeito pelos públicos culturalmente mais exigentes que sintonizam a "dois" com mais esta (não será certamente a única) prova de ausência de bom senso. Interrogo-me do porquê de não se ter recorrido à cópia (de cinema) existente na Atalanta Filmes que há uns anos atrás foi exibida numa sala da capital com inegável sucesso de público e elogios rasgados da crítica.
JD